sábado, 27 de janeiro de 2018

Entrevista com Luanna Marley, advogada popular, para a Campanha ANA - Associação Nacional de Adolescentes Conectados em Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes LGBTI

(Boletim da ANA - Edição 66 - Jan 2018)


Campanha Ana: Você faz parte da RENAP, o que faz essa rede e como as pessoas e organizações podem acionar?

Luana Marley: A Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP, é uma rede que articula advogadas e advogados de direitos humanos que atuam para e com os movimentos sociais, grupos e comunidades que vivenciam as violações sistemáticas de direitos humanos. Nossa atuação se baseia no que chamamos de Assessoria Jurídica Popular, que consiste no trabalho desenvolvido por advogadas/os populares, estudantes, educadores/as, militantes dos direitos humanos em geral, entre outros/as. Assim, temos o objetivo de viabilizar um diálogo sobre os principais problemas enfrentados pela população para a realização de direitos fundamentais para uma vida com dignidade, seja por meio dos mecanismos oficiais, institucionais, jurídicos, e x t r a j u r í d i c o s , p o l í t i c o s e d a conscientização. É uma prática jurídica insurgente desenvolvida principalmente no Brasil, nas décadas de 1960 até hoje. A RENAP já existe há 22 anos, iniciando na atuação por direito à terra e território, no seio das lutas por reforma agrária e hoje em dia tem ampliado a sua atuação com temas estruturantes como o enfrentamento ao racismo, ao machismo, à LGBTfobia e ao capitalismo.

C. Ana: O Brasil é signatário da declaração dos Direitos Humanos, nesse sentido o poder judiciário brasileiro considera esses direitos para as causas que julga, ou ainda é preciso lembrar juízes e promotores do que o brasil é signatário?

L. M.: Infelizmente, a todo tempo, precisamos lembrar ao sistema de justiça sobre a declaração dos Direitos Humanos e inclusive sobre a própria Constituição. Enfrentamos ainda, inúmeras decisões, e atuações do Ministério Público, que desconsideram a dignidade humana, os direitos fundamentais, mas não só isso, se utilizam das normas para uma aplicação da lei de acordo com as suas conveniências, interesses e olhares moralistas, conservadores, LGBTfóbicos, machistas e racistas. O que é de extrema gravidade! Não à toa que inúmeras famílias- comunidades, juntamente com crianças, idosos e mulheres grávidas- são removidas e despejadas de suas casas, vivenciando a violência do Estado. Não é à toa que o Brasil está entre os três países que mais encarceram no mundo, onde a maioria é composta por pessoas negras e pobres. As mulheres são severamente e duplamente punidas pela sistema de justiça, quando cometem alguma infração penal ou crime. E quando são vítimas, por exemplo em casos de estupros, também são colocadas como culpadas por terem vivenciado este crime contra a sua dignidade sexual.

C. Ana: Por que tantas defensoras e defensores que lutam junto com os trabalhadores, o povo pobre, preto das periferias, com a mulheres e LGBTS, são alvos da repressão e assassinatos?

L. M.: O conhecimento e a emancipação tem na expressão das consciências e nas vozes que denunciam os instrumentos de luta contra aqueles que detém o poder econômico e político à custa do massacre da população negra, pobre, LGBT, das mulheres, jovens, crianças, adolescentes. Por isso que, como temos os argumentos de justiça e as resistências, e SIM, denunciamos, com o objetivo de transformação social, a forma medíocre e violenta para manutenção do poder deles – que querem manter o machismo, o racismo, a LGBTfobia, a propriedade privada e o lucro – é a perseguição, a criminalização dos movimentos sociais e populares, até o assassinato de defensoras e defensores de direitos humanos, afim de calar suas vozes que denunciam...suas lutas. É assim que agem os ruralistas, os senhores do agronegócio, parte do aparato policial, os especuladores imobiliarios. Estes anos de 2016 e 2017 bateram recordes de assassinatos de defensores e d e f e n s o r a s d e d i r e i t o s h u m a n o s . Assassinatos, torturas e perseguições, como os que tem ocorrido com indígenas, quilombolas, feministas, ativistas pelos direitos de crianças e adolescentes, ativistas LGBT, bem como p e s q u i s a d o r e s e p e s q u i s a d o r a s d e Universidade Públicas. Aqueles e aquelas defensores e defensoras que perderam suas vidas estão mais presentes do que nunca nas nossas lutas, seja onde for!

C. Ana: Como podemos avançar nas lutas sociais sem necessariamente entrar no terreno do judicialização?

L. M.: Na realidade, tenho dito que temos que avançar por caminhos para além das institucionalidades, uma vez que vivemos momentos e contornos políticos que se assemelham a ditadura civil-militar de 1964, não só pelos discursos, mas pelas legislações autoritárias que mascaradas pelas ideologias facistas, promovem formas políticas e materiais de manutenção do poder que tem como consequência mortes físicas, psicológicas e simbólicas daqueles/as que para eles são corpos inferiores (que não importam). Falo de um projeto neoliberal e conservador! O executivo, legislativo e com o aval do judiciário contribuem e promovem estes contornos. Interessa a eles - falo “eles” porque sua maioria é de homens a serviço de e para homens brancos, ricos e 'cristãos'- a manutenção deste sistema político que coloniza, que é racista e machista, que ataca a Democracia, os direitos sociais, como os trabalhistas e, agora, a previdência. Ora, não é á toa que são estes que defendem a escravidão, o recolhimento da mulher ao âmbito privado (politica da bela, recatada e do lar), não é à toa que eles (sobretudo, os fundamentalistas religiosos) inventam um termo chamado “ideologia de gênero”, como forma de confundir a população para que não se avancem as discussões de gênero e de diversidade sexual. O que isso quer dizer? É que estes fanáticos, através de mitos e mentiras, tem promovido o ódio as mulheres e LGBT, tentando barrar temas importantes como o combate à violência contra as mulheres e a garantia dos direitos sexuais e direitos reprodutivos. Por isso que as RUAS ainda são os nossos espaços, é a nossa arena pública e de luta na busca por justiça e igualdade.

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