quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Última carta (Cartas do Mondego)*


Ludmila Cerqueira Correia**
  
Coimbra, 31 de maio de 2016.


Quando organizava as coisas para vir pras bandas de cá, iniciava uma bateção de panela no Brasil, que soava como algo ridículo. Naquele momento, eu não podia imaginar que um golpe parlamentar já estava sendo arquitetado por uma direita raivosa que não aceitava a reeleição da Presidenta Dilma Roussef.
Nesse percurso de lá pra cá, que durou um ano, os acontecimentos foram cada vez mais velozes, de tal modo que nos últimos dias, em poucas horas de sono, uma decisão mudava horas depois de tomada (refiro-me à decisão do Presidente interino da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão, que anulou a votação do impeachment naquela casa legislativa, e, logo em seguida, voltou atrás).
O bom mesmo, nesse período, foi conhecer outros comunistas. Com eles compreendo cada vez mais que o caminho de um outro mundo possível começou a ser construído faz tempo e que precisamos aprender com os erros e os acertos, mas que jamais podemos retroceder.
E assim foi com António Casimiro, Antonio Avelãs, Raquel Rigotto, César Gilolmo, Agustín Arbesú (Tino), Manuel Desviat, Ciro Tarantino, Giovanna del Giudice, Peppe Dell’Acqua e tantos outros e outras que encontrei nessa caminhada e que me fizeram reforçar a ideia de que a saída é sempre pela esquerda.
Foi com essas pessoas que confirmei o que aprendi com Isabel Lima, Edna Amado, Marcus Vinicius de Oliveira, Ana Guedes, Diva Santana, Marília Lomanto, Clóvis Lima, Jairnilson Paim, José Geraldo de Sousa Junior e tanta gente mais: é preciso ter paciência histórica.
Basta olhar para trás e ver o tanto de coisas construídas com as lutas de tanta gente e o quanto muitas vidas mudaram nesses últimos anos.
Mas agora eu quero olhar para frente, lá na frente, enfrentando o agora, que é todo dia e está bem aí na nossa frente.
“Para nós, comunistas, não era possível construir um outro mundo em que todas as pessoas não tivessem as mesmas oportunidades.”, como me disse Tino, psicólogo espanhol, um dos fundadores da primeira escola de educação especial de Madri na década de 1970.
É com os aprendizados daqui, com os novos ares respirados e o coração marcado nesse período, que retorno para continuar lutando por outro mundo possível, em que todas as pessoas tenham as mesmas oportunidades.  


* Esta carta foi escrita no último dia do meu estágio doutoral em Coimbra, há exatos três meses. À época não a publiquei, talvez na esperança de que o Golpe não se consumasse. Hoje publico-a com a esperança de dias melhores, porque continuaremos resistindo, apesar dos perigos.

** Ludmila Cerqueira Correia é advogada popular, extensionista e pesquisadora. Doutoranda em Direito, Estado e Constituição no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, integrante do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua. Professora do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba e Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania. Integrante da RENAP e do IPDMS. 

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