terça-feira, 7 de junho de 2016

Cartas de Bologna: quem chora a morte dos fascistas? Feijoada Completa, dildos e outras histórias



Por Patricia Vilanova Becker*


Essa semana o destino resolveu aprontar mais uma daquelas piadas históricas que quase não nos damos conta. Desta vez, o Brasil e a Itália estabeleceram um diálogo quase tácito nas redes sociais ao confrontar-se no mesmo dia com a morte de dois fascistas. De um lado, Itália com a morte de Gianluca Buoananno do partido neo-fascista Lega Nord, conhecido por suas afirmações racistas e homofóbicas; e do outro lado do oceano, aos 95 anos, a morte de Jarbas Passarinho, notório apoiador do Golpe Militar de 1964 e um dos firmatários do AI-5. Respeitadas as diferenças das circunstâncias de morte e “de fascismos”, ambos os países interpretaram os fatos com sua sarcástica artilharia de memes. Vozes humanistas da esquerda deram um discreto sermão aos amigos nas redes sociais: “comemorar a morte de uma pessoa é tào fascista quanto...”. O humanismo balança ao cabeça em tom reprovatório. Já eu, que nunca fui de memes e humanismos, apenas observo. Infelizmente, para além dos acidentes que podem afetar alguns sujeitos, o fascismo parece estar mais vivo do que nunca.






Das analogias possíveis

Esta foto é Bologna no dia 02 de junho com sua principal praça cercada por todos os lados, dominada por policiais que tinham a função de “evitar conflitos” entre uma manifestação da extrema-direita italiana que recebia o comício de Matteo Salvini, uma das principais lideranças do partido Lega Nord, e a resistência popular de esquerda de Bologna que se posicionava em praça contrària à sua presença. Para evitar esses “conflitos”, a polícia resolveu aplicar o que por aqui chamam de “carica a freddo” - logicamente nos manifestantes de esquerda - agredindo pessoas e prendendo ativistas.
Seguindo com as coincidências da vida, no resultados do primeiro turno das eleições comunais de 05 de junho o Partido Democrático (PD) de centro-esquerda perdeu cerca de 40 mil votos em Bologna - o que o obriga a enfrentar a candidata leghista Lucia Borgonzoni no segundo turno (ballotaggio). Perda de votos esta que vem como resposta popular às políticas de despejos, repressão, limitação dos espaços públicos e políticas que afetam pequenos comerciantes imigrantes. Como modesta metáfora do nosso Brasil, a tradicional centro-esquerda de Bologna arrisca colocar a cidade nas mãos da direita conservadora porque não soube ou não quis implementar as políticas sociais que os movimentos da città rossa demandavam.


Foto por Michele Lapini/Bologna

A fabulosa ocupação relâmpago, entre sonhos e dildos
Esta é Bologna no dia 21 de maio, com suas ruas repletas de cores e sonhos, de dildos e faixas, de corpos, vivèncias, beijos e batons borrados. Esta é a Bologna que nem o Partido Democrático nem a Lega Nord quer ver nas ruas. Com a diferença que o primeiro investe em políticas de pink washing e concessões parciais de direitos, e o segundo vomita seu neo-fascismo sobre nossos corpos. Movimentos locais e o “Sommovimento TransnacioAnale”, frente formada por diversos movimentos transfeministasqueer da Italia, ocuparam Bologna e marcharam rumo à retomada de um espaço publico abandonado da cidade, ocupando-o “favolosamente” em frente aos olhos da polícia. A ocupação, que durou menos de duas horas, retirou-se pacificamente diante da ameaça concreta de violência endossada pelo chefe da polícia. Coletivamente, os movimentos da cidade buscam (re)elaborar o inesquecível dia de 21 de maio. Eu própria ainda não o (re)elaborei. Um misto de amor e fúria. Um misto de sonho e distopia.



Transgender European Counseil (TGEU)
E no mesmo dia do comício de Matteo Salvini, Bologna recebia mais uma profusão de sonhos e corpos autônomos em sua praça simbolo. O Conselho Transgender Europeu reuniu ativistas de diversos países, inclusive de fora da Europa como esta brasileira que vos fala. Tive a oportunidade de trabalhar como voluntária nos incríveis quatro dias de debates, cuidados, afetos e aprendizados. Bologna se encheu de cores, e eu me enchi de esperança.


Resistência contra o Golpe em Bologna
Nascido durante a resistência pré-golpe, o grupo Feijoada Completa se formou em abril por brasileiras/os, italo-brasileiras/os, italianas/os e amigas/os do Brasil em geral. Surge como possibilidade de resistência para quem, morando no exterior, não pode levar sua luta até o Brasil neste momento, reunindo em Bologna todas aquelas que se levantam contra o golpe. Entre atividades culturais e manifestações de praça, o grupo vem constituindo sua identidade e encontrando na indignação um denominador comum. Feijoada Completa realiza amanhã - 08 de junho - um “aperitivo brasiliano contro il Golpe” com a participação como debator do prof. Francisco Foot Hardman da UNICAMP. O grupo produziu recentemente um pequeno vídeo do movimento, e se planeja para organizar um CineForum e, quem sabe, um encontro nacional articulado com outros grupos de resistência que se formaram na Itália contra o golpe (grupos de Milão e Roma, e militantes de outras cidades). Novidades virão!

O tempo que escorre
Amigas/os e companheiras/os do Direito Achado na Rua: o tempo escorre! A experiência em Bologna escorre entre os dedos, e optei por encontrar no movimento meu equilíbrio. Em tão pouco tempo sinto esta cidade como minha: suas causas, seus movimentos, seus espaços secretos, seus muros pichados, suas disputas internas. Em Bologna sou “a Outra”, mas também sou sujeito político que se une a tantas “Outras” em luta. Oviedo se aproxima e Bologna começa a deixar saudades. Preciso de tempo. Preciso parar o tempo. Entendê-lo. Processá-lo. Como sempre, estou pagando o preço da escolha (política) de viver intensamente todas experiências: Bologna agora é parte de mim, e tenho que partir. Como colocar em conexão todas essas lutas, lugares e sujeitos amados? A sonhada conexão Poa-Brasilia-Bologna… minhas casas, meus amores.

Um grande abraço saudoso, nos vemos em setembro em Brasilia!
Passagens compradas para matar as saudades e derrubar os golpes.

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*Patrícia Vilanova Becker integra o Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua; mestranda em Direito pela UnB, participa atualmente do Programa Erasmus Mundus Master´s Degree in Women's and Gender Studies na Universidade de Bolonha e Universidade de Oviedo.


Um comentário:

  1. Patrícia, como sempre reflexões inspiradoras e inspiradas!!!
    Pelo texto deu pra sentir um gostinho da efervescência que você também tem vivido por aí, muito bom!
    Até setembro!
    beijos!

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