segunda-feira, 7 de março de 2016

Resenha: “O Direito Achado na Rua – concepção e prática”. Organização de José Geraldo de Sousa Junior. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

Cristiano Paixão*

            Acaba de ser lançado o volume 2 da coleção “Direito Vivo”, da editora Lumen Juris, intitulado “O Direito Achado na Rua – concepção e prática”. Sob a coordenação do Prof. José Geraldo de Sousa Junior, que subscreve o artigo introdutório, um grupo de pesquisadores aborda questões ligadas à dimensão contemporânea dos direitos humanos e da cidadania.
            Duas expressões são adequadas para descrever a obra: maturidade e diversidade. Constata-se, após décadas de produção teórica e exercício concreto de projetos de ensino, pesquisa e extensão, que a linha de pesquisa Direito Achado na Rua atinge um ponto de desenvolvimento bastante consistente. O volume é marcado por uma preocupação dúplice: por um lado, a necessidade de explicitação e afirmação das referências teóricas fundamentais para sua própria construção. Assim, a obra de Roberto Lyra Filho é apresentada de forma extensiva, o que permite uma maior compreensão da inspiração inicial que marcou o trabalho dos fundadores da linha de pesquisa. E alguns diálogos adicionais são propostos, especialmente com a produção de Paulo Freire, cuja contribuição é explorada, com merecido destaque, no artigo redigido pelo Prof. José Geraldo de Sousa Junior. E, por outro lado, verifica-se a premência das questões contemporâneas que desafiam, incessantemente, profissionais do direito e pesquisadores da universidade na busca por caminhos e soluções no campo dos direitos humanos e da cidadania.
            A diversidade que marca a obra advém da própria complexidade da sociedade moderna. Numa sociedade como a brasileira, secular, democrática, multicultural e em constante processo de transformação e auto-observação, as contribuições do Direito Achado na Rua são particularmente bem-vindas. As lutas por direitos e reconhecimento são travadas em diversas arenas, com temporalidades distintas e pautas específicas. Povos indígenas, movimentos sociais, estudantes, trabalhadores, marginalizados, excluídos: todas essas designações sociais produzem sentido no mundo e ensejam lutas, manifestações e reações contrárias. No centro de gravidade dessas demandas, localizam-se os direitos humanos, percebidos em sua dimensão performativa, atuante, provocadora.
            O livro aqui analisado apresenta uma importante preocupação com a educação para os direitos humanos. Num esforço muito bem-sucedido de inserção e institucionalização no ensino, a linha de pesquisa do Direito Achado na Rua se consolidou como um verdadeiro campo de investigação no âmbito de dois programas de pós-graduação. Tanto no PPG em Direito, Estado e Constituição, que já possui uma história de mais de trinta anos de reflexão na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, como no recém-criado PPG em Direitos Humanos e Cidadania, de matiz interdisciplinar, também na Universidade de Brasília, está presente a linha de pesquisa do Direito Achado na Rua. É natural, portanto, que a universidade seja um lugar central na experiência do grupo de pesquisadores que produziu a obra. As iniciativas inovadoras da linha de pesquisa são trazidas à discussão, com interessantes indicações e possibilidades de ação no futuro.
            Um exemplo ilustrativo está inserido em um dos capítulos da obra. Ao final da argumentação, quando os autores promovem um inventário crítico da recepção do movimento e de sua base teórica, surge uma questão fascinante: a Constituição de 1988 marcaria uma espécie de limite para o Direito Achado na Rua, considerando a positivação de várias das conquistas sociais no período da redemocratização? A resposta, evidentemente, não poderia ser afirmativa. O que os autores concluem, com razão, é que o texto constitucional representa, antes de tudo, o início de um processo histórico de aquisição e transformação de direitos, que não tem um fim, mas um horizonte, que permanece indeterminado. E que a luta por direitos humanos e cidadania permanece e se renova, produzindo novas construções marcadas pela concretude da experiência da rua.
*Professor da Faculdade de Direito da UnB (Graduação e Pós-Graduação) e do Mestrado em Direitos Humanos e Cidadania, CEAM/UnB; membro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Doutor em Direito tem Estágio Pós-Doutoral na École des Hautes Études en Sciences Sociales (França, 2015) e na Scuola Normale Superiore di Pisa (Pisa, Itália, 2009)

Um comentário:

  1. Resgatando a velha e atual provocação do professor Roberto Lyra Filho - que encampa uma concepção de direito em movimento ("é, sendo") e em diálogo com a práxis social -, quando propôs à universidade a reflexão sobre as propostas debatidas na Constituinte no contexto de transição política, encontramos o seguinte questionamento: “[...] transição de onde para onde? Transição por que meios? ”(LYRA FILHO, 1985, p.10).
    Esse horizonte de expectativas que é aberto (ou reforçado) pela Constituição Federal de 1988, permanece, de fato, indeterminado. São as práticas social e historicamente contextualizadas que delinearão esse processo de transformação da realidade.
    Gostaria de compartilhar aqui um texto do professor Cristiano Paixão, que encontra-se em pleno auge de produção intelectual (no melhor sentido possível) no que se refere-se à reflexão e análise dos modelos constitucionais e as experiências autoritárias e/ou democráticas.
    O texto é intitulado "Direito, política, autoritarismo e democracia no Brasil", e pode ser acessado no seguinte endereço: . Acessei ainda hoje, para conferir se ainda está disponível e consegui baixar o texto, sem problemas.
    Outra recomendação de leitura, atualíssima para os dias de hoje, é o Caderno de Constituição & Democracia, disponível on-line: https://drive.google.com/folderview?id=0B5uBt99PdGHCdkpwZXpLSXQyWWM

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