sábado, 25 de abril de 2015

Um bom momento para estar na Escandinávia. Não para imigrantes.

Ana Luiza Almeida* As notícias sobre o barco que naufragou no mar da Líbia na última semana já não comovem mais. Estima-se que 400 pessoas morreram, mas as discussões continuam a se concentrar nas consequências e não na causa. Como impedir a vinda desses imigrantes? As rotas são múltiplas: para Itália, de barco, saindo da Líbia ; pelo Marrocos, atirando-se contra o muro de contenção financiado pela União Europeia que divide a cidade espanhola de Melila, localizada no lado marroquino do Mar de Alborão, e o continente africano ; pelos Balcãs, a pé, eles chegam a percorrer 150 km . Como signatários da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951) , os países Europeus têm lidado, de maneira inadequada, com a proibição de expulsar ou repelir esses refugiados uma vez que eles cheguem ao seu território. Ocorre que, o “problema” que antes se limitava apenas a Espanha e Itália, faz-se mais presente, a cada dia, em outros países Europeus mais ao norte. O acordo Schengen de livre circulação praticamente extinguiu fronteiras entre os países europeus membros, o que, na prática, significa que a entrada de tais imigrantes pela Itália, Espanha ou Hungria (pela caminhada via Balcãs) resulta na sua posterior migração para outros países membros. É importante lembrar, no entanto, que a participação na área Schengen não implica necessariamente na filiação àUnião Europeia. O Reino Unido, por exemplo, é um membro na UE, mas não da área Schengen, o que lhe permitiu estabelecer regras restritas de circulação - inclusive sobre nacionais de países membros da EU. Romenos e búlgaros, por exemplo, que após a filiação à EU em 2007, estabeleceram migração em massa para Inglaterra, têm regras diferenciadas e formalmente estabelecidas para entrarem no Reino Unido. A Noruega é um exemplo do caso contrário, embora não seja um membro da União Europeia, é parte do acordo Schengen, o que tem resultado em uma busca em massa dos imigrantes africanos e Sírios por esse país. Noruega e Suécia são procurados por essa nova geração de imigrantes, primeiro, por sua política de acolhimento mais eficiente quando comparada a outros países europeus; por um invejável estado de bem estar social. No caso da Noruega, há ainda um outro atrativo a imigrantes de todas as nacionalidades: a crença em sua riqueza “inesgotável” baseada no petróleo – uma tremenda contradição. São imigrantes em sua maioria da Eritreia, Somália, Nigéria, Sudão e Síria. Todos têm em comum histórias de horror que incluem assassinatos, destruição, perseguição e estupros. O perfil que antes se limitava a cidadãos paupérrimos desses países, dia após dia, vai se modificando. Famílias sírias de classe média, vendem suas casas para financiar a viagem arriscada de barco para a Europa como última alternativa. Outros, ainda que provenientes de famílias de classe média em seus países, por não se alinharem com o regime, não veem outra alternativa. As perseguições religiosas constam como elementos mais presentes nas histórias desses imigrantes. O fato inegável é que, ao chegarem aqui, todos parecem “perder” seu passado. Se não por vontade própria, o tratamento que recebem forçosamente ignora qualquer de suas experiências ou habilidades prévias. Os processos de imigração em massa tornam a apreciação dos pedidos de asilo e refúgio cada vez mais burocrático e mecânico. A inserção no mercado de trabalho separa os trabalhadores em três categorias: nacionais qualificados; nacionais não qualificados e imigrantes. Os salários seguem uma progressão decrescente do primeiro ao último grupo. A divisão estabelecida nas grandes capitais deixa claro o papel dos imigrantes nessa sociedade. Mesmo na Noruega, uma sociedade formalmente igualitária, em sua capital, Oslo, a divisão entre Leste – para noruegueses que podem pagar para viver naquela área, e Oeste – grupos marginalizados dentro deste sistema – é clara. A estigmatizacão automática desses grupos é cruel. Os grupos conservadores que pregam a saída da Noruega do acordo Schengen fortalecem-se a cada dia no parlamento norueguês e tentam passar leis restritivas especificamente direcionadas a imigrantes. Recentemente houve uma tentativa de aprovação de uma lei que criminalizava o ato de pedir esmola na rua. A ideia era evitar redes criminosas que envolvem mulheres e crianças nessa atividade. No entanto, o principal grupo atingido seria o povo Roma (ciganos), historicamente estigmatizado na Europa. O parlamento europeu segue essa mesma tendência conservadora, e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos lida, cada dia mais, com questões complexas que vão além da proibição do uso do véu por mulheres mulçumanas. O Tribunal tem que lidar com questões de maior impacto para os europeus, como a permissão para a construção de minaretes (as torres que compõe as mesquitas mulçumanas) nos países europeus. Com a crise econômica que assola todos os países do mundo, em especial os Europeus, a composição no “novo inimigo” está formada. Ele tem cor, hábitos culturais e religião. Um conflito curioso é daqueles europeus que já constituem uma segunda geração de imigrantes – como os latino-americanos que fugiram das ditaduras militares - que agora opõe-se ao acolhimento de novos imigrantes. A mera legislação não contém mais o impulso antes implícito daqueles que vivem o desconforto de dividir sua riqueza com o “estranho”. Riqueza essa muitas vezes construída a partir de morte, destruição ou parcerias econômicas com aquelas ditaduras que expulsam milhares de seus países. São tempos difíceis... para todos. Mas, sem dúvida, muito mais difíceis para esses imigrantes. *Ana Luiza Almeida participa do Programa de Mestrado Human Rights Policy and Practice, uma ação do consórcio entre universidades da Suécia, Reino Unido, Noruega e Índia. Suas cartas têm sido publicadas neste Blog desde que iniciou o programa (ver Cartas de Gottemburgo).

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