quarta-feira, 15 de abril de 2015

Sociologia Jurídica: Condições Sociais e Possibilidades teóricas

Laura Leão Melgaço Campos Ribeiro, aluna do Curso de Direito da UnB


O ensaio de José Geraldo de Sousa Junior “Sociologia Jurídica: condições sociais e possibilidades teóricas” se inicia ressaltando a importância da conexão do Direito com a Sociologia. Durkheim é logo citado com a frase “É preciso, pois, que o estudante aprenda como o direito se forma sob a pressão das necessidades sociais (...)”, mostrando que não há sentido em realizar um estudo do Direito única e exclusivamente baseado em dogmas e manuais.
 O primeiro problema da Sociologia Jurídica é a delimitação de seu estudo, questão essa bem resolvida a partir da visão de Boaventura de Sousa Santos: Ele sugere que lidemos com o conhecimento utilizando de uma rebeldia metodológica, ou seja, a interconexão entre áreas do saber não deve ser uma possibilidade, e sim uma necessidade; é o único modo de se obter conhecimento de forma racional.
O ensaio nos apresenta então, uma perspectiva histórica da Sociologia, pois é necessário conhecer o retrospecto antes de se pensar em uma aplicação futura. Assume-se que a Sociologia adquire seu caráter analítico a partir dos estudos de Emile Durkheim, todavia, antecessores ao francês (Aristóteles, Montesquieu, Comte e Marx) são de suma importância para compreender as fases do pensamento sociológico. Aponto aqui uma predileção pessoal aos estudos de Marx, pois o considero como um grande teórico do chamado Estado Social (que evolui para o Estado Socialista), onde a compreensão do espírito coletivo é alta, e os juristas assumem o papel de análise social, contrapondo-se à análise puramente mecânica e dogmatizada (CARVALHO NETTO. Menelick de. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do estado democrático de direito).
A partir de Durkheim, a Sociologia do Direito como ciência distinta da Sociologia em geral começa a tomar forma. É em Durkheim que se relacionam os tipos de solidariedade com o Direito, e há um paralelo entre Direito e Moral, estabelecido pela diferença entre sanções difusas e organizadas. É em Weber, contudo, que a autonomia se concretiza através da distinção entre os fenômenos jurídicos e os demais fenômenos sociais.
Na contemporaneidade surgem autores cujas teorias são chave para entender o desenvolvimento da Sociologia Jurídica, dentre eles, Boaventura de Sousa Santos, que desloca o foco centrado na norma para o foco no conflito, pois segundo sua teoria o Direito apresenta uma “garantia de arranjo harmonioso dos conflitos” e tem como função promover a mudança social.
Ressalto um paralelo entre a teoria de Boaventura de Sousa Santos e a teoria de Marx: Os dois teóricos acreditam no conflito como fonte de mudança social, e não como um problema.
É em Elías Diaz, porém, que surge uma análise classificatória que correlaciona as sociedades globais e os sistemas de Direito, utilizando-se para isso docaráter analítico da Sociologia. O filósofo do Direito espanhol apresenta a definição de Sociologia Jurídica da qual mais compartilho interesse: “Estudo e análise das interrelações entre Direito positivo e sociedade”. Para Diaz, esse estudo se desdobra em dois níveis: Nível de legalidade e legitimidade. O nível de legalidade compreende a distinção entre direito vigente e direito eficaz, já o nível de legitimidade estuda a aceitação e vivência dos valores jurídicos por diversos grupos sociais.
Entendendo a sociedade como organismo em constante mutação, é certo que estudar os impactos da modernidade é de suma importância. Nesse sentido,é necessário entender que estamos em um processo de destituição contínua de direitos, ao passo em que direitos nunca antes imaginados passam a ser requisitados. Para acompanhar as inovações sociais, Boaventura de Sousa Santos diz: “É necessário que o campo do político seja radicalmente redefinido e ampliado”. Ainda tentando acompanhar a dinâmica social, existe a tese de Patrick Pharo do chamado “Civismo ordinário”, uma espécie de interseção entre o direito legislado e a cultura.
Na tentativa de resolver o problema da distância entre Direito positivo e sociedade, Lyra Filho e Boaventura de Sousa Santos contribuem intensamente para pluralizar o Direito e resolver a questão citada.A tese de Lyra Filho é útil para distinguir Sociologia do Direito e Sociologia Jurídica, sendo a primeira referente à base social de um direito específico, enquanto a segunda refere-se ao Direito em geral. Os dois autores se tornam grandes apoiadores do sentido auto reflexivo da alternatividade, sentido esse utilizado por vários juristas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Como exemplo da aplicação da Sociologia Jurídica na era atual, o ensaio nos apresenta o projeto de reforma do ensino jurídico no Brasil, apoiado pela OAB, cuja proposta era a “Renovação do jurista para que venha a constituir-se em sujeito do novo processo de construção jurídica de novas categorias e de novos conteúdos emergentes do dinamismo social, levando a novas figuras de futuro”.
A parte final do ensaio nos apresenta o panorama atual do Direito conectado com a Sociologia em uma era de movimentos operários e populares, uma era onde a reivindicação de direitos é cada vez mais comum. Como principais teóricos dessa nova era, são apontados Roberto Lyra Filho e Marilena Chauí, que reconhecem o aparecimento de um “sujeito novo” consciente dos direitos que dispõe e com vontade de lutar pelos que ainda não o são garantidos.
“A cidadania ativa é a que é capaz de fazer o salto do interesse ao direito, que é capaz, portanto de colocar no social a existência de um sujeito novo (...)”
(Chauí, Marilena; 1990)
O “Direito achado na Rua” representa uma forma de aplicação da Sociologia Jurídica na era moderna, sendo a rua um elemento simbólico da emersão dos direitos populares e da reivindicação destes. Acredito que o projeto seja uma síntese do que o ensaio nos propõe: Utilizar da imaginação, pensar além dos dogmas, romper as amarras das ideologias pré-fixadas.
O Direito é bem mais do que os dogmas e os manuais. O Direito é uma ciência que serve a sociedade, e, sendo assim, acredito ser necessário o estudo constante da própria, uma vez que as mudanças sociais ocorrem o tempo todo. A sociedade é composta de inúmeros indivíduos, cada qual com suas ideologias próprias, que juntas, formam, a cada dia, mais e mais grupos de identidade comum. Creio que é justamente essa pluralidade de ideias e opiniões a representação do espírito democrático, e cabe a nós, futuros juristas, tomar parte dessa sociedade diversa e eclética, sendo o estudo da Sociologia essencial para isso.
Os projetos de extensão presentes na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília são, a meu ver, a materialização da Sociologia Jurídica, uma vez que conseguem correlacionar a teoria com a análise da sociedade além da tentativa real de interferência e solução dos problemas. Como mencionado anteriormente, Boaventura de Sousa Santos diz que o Direito garante uma harmonização dos conflitos sociais. Ora, como estar ciente dos conflitos presentes em nossa sociedade se não a partir da análise desta? O estudo de códigos e demais formas positivadas de Direito tem sim sua importância, mas de nada adianta se não há conhecimento do ambiente onde estes serão aplicados.
 A AJUP- Assessoria Jurídica Popular Roberto Lyra Filho- é um exemplo de projeto que analisa problemas como o Lixão, demandas rurais e etc. O projeto analisa problemas emergentes e procura soluções para eles, o que eu acredito ser muito benéfico, principalmente no âmbito trabalhista, uma vez que passamos por uma situação de atraso de salários e greves no Distrito Federal, gerando incerteza na população acerca de seus direitos.
O estudo dos problemas sociais aliado ao conhecimento teórico garante a formação de Juristas mais capazes de lidar com as transformações ocorrentes na sociedade. Creio que esta ideia seja a parte mais importante do ensaio analisado, bem como a proposta principal da disciplina Sociologia Jurídica.


* Resenha crítica acerca do ensaio. O ensaio foi publicado em livro homônimo, de José Geraldo de Sousa Junior, editado por Sergio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002, págs. 11-51.

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