quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Não confundir as "reformas políticas": a bola da vez é pela constituinte*

Gladstone Leonel da Silva Júnior. Em alguns momentos da vida observamos que a melhor alternativa apresentada para não mudar as coisas é justamente dizer que elas mudarão. A depender do propositor, sabemos que tudo continuará como antes ou piorará, porém agora envernizado com o discurso da mudança. Esse jogo de palavras volta ao cenário nacional sob o tema da reforma política. Para contextualizar o leitor, basta retomar alguns fatos ocorridos ano passado. O Congresso Nacional criou uma comissão especial, em decorrência das manifestações de junho/julho, para debater a reforma política. O resultado dessa comissão, que teve como relator o deputado Cândido Vacarezza, foi a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 352/13. No entanto, o relatório ali produzido era uma afronta aos anseios de maior ampliação dos mecanismos democráticos no país e um golpe ao, já combalido, sistema político brasileiro, consistindo em uma verdadeira contra-reforma política. O seu conteúdo não resolveria os problemas colocados na democracia brasileira como a influência do poder econômico nas eleições e, ainda, pioraria outros pontos como a limitação da participação popular na política e a debilitação dos partidos. A insatisfação com o resultado da comissão foi tamanha, que o próprio partido do relator, o PT, rechaçou internamente a proposta, a qual tenderia a alimentar uma maior despolitização no país, visto que contribuiria para um cenário de baixa intensidade programática dentre as legendas que se afirmarem nas disputas eleitorais. O discurso era de reforma, porém a solução apresentada deformaria mais o nosso frágil sistema político-eleitoral. Definitivamente, a PEC 352/13 seria uma mudança que não constituiria um avanço na reforma política. No início desse mês, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, resolve ressuscitar o “defunto”. Ele busca dinamizar os procedimentos da PEC e espera que a proposta volte da Comissão de Constituição e Justiça para ser encaminhada à Câmara. A novidade é que após essa etapa, ela será direcionada a um referendo popular para ganhar ares de legitimidade. Assim, o povo referendaria ou não a proposta já definida da Câmara, ou seja, aquela contra-reforma política elaborada em 2013. No entanto, não se deve esquecer que há sim uma saída factível a isso. A bola da vez é a Constituinte. Essa alternativa viabiliza-se pelo Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 1508/14, apresentado por Luiza Erundina (PSB), Renato Simões (PT) e assinado por outros 185 deputados, que foi protocolado quinta, dia 30/10, na Câmara, para que a população decida se quer a convocação de uma assembleia constituinte exclusiva para a reforma política. Diferentemente do referendo proposto para a viabilização da PEC 352/13, o Decreto Legislativo afirma o plebiscito como o instrumento de consulta ao povo sobre a convocação dessa assembleia constituinte. Isso garantiria uma maior legitimidade democrática ao processo de modificação do sistema político no país. Não é o momento das forças populares, que pautaram e elegeram um projeto político progressista nessas eleições, se colocarem na defensiva diante dos frágeis discursos de impeachment de uma presidenta recém-eleita ou mesmo se perderem no emaranhado de propostas de “reforma politica” que surgiram unificadas na PEC 352/13. Dificilmente o Congresso Nacional atual e, até mesmo, o eleito para o próximo mandato, com o perfil mais conservador, farão a reforma política esperada pela sociedade, no sentido de ampliar os anseios por democracia e participação política. Logo, chegou o momento da sociedade brasileira apostar na convocação de uma Constituinte sob o risco de perder uma chance histórica de mudar o sistema político do Brasil, oportunidade que, talvez, não veremos tão cedo novamente. Gladstone Leonel da Silva Júnior é doutorando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e um dos autores do livro Constituinte Exclusiva: um outro sistema político é possível.Integra o coletivo Diálogos Lyrianos. * Matéria originalmente publicada no jornal Brasil de Fato

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