terça-feira, 28 de outubro de 2014

Sobre aprendizados solidários. (Cartas do Mondego)

Portugal tem jeito de “casa”. Desde que desembarquei em Lisboa não me foi negado um sorriso ou uma ajuda. As conversas em sotaques distintos e algumas palavras até então desconhecidas só aumentaram o prazer de estar aqui aprendendo às vezes sobre mim mesma. E o acolhimento que recebi de meu amigo Rui Calado e os (re)encontros com companheiros e companheiras sem dúvida contribuíram para este sentimento de conforto e para que eu pudesse mais rapidamente compreender as vozes, as músicas e os debates que ocorrem na região do Mondego.
Vim para cá para me dedicar aos estudos decoloniais ou das epistemologias do sul. Um dos primeiros textos que li ao chegar aqui do Eduardo Restrepo e do Axel Rojas (2010) trata que o colonialismo tem impactos não só sobre o colonizado(a), mas também sobre o colonizador. Fiquei pensando sobre como esta condição de colônia também se altera de acordo com as peças do jogo e como se situa Portugal na sua relação com a União Europeia. Num dos primeiros dias que estive aqui fui a um lançamento de um livro que trata da proposta de adoção por Portugal de uma moeda própria, o Escudo, e os dilemas atuais da economia portuguesa por estar atrelada ao Euro.
No debate foi colocado como a obsessão pela austeridade tem apenas levado ao empobrecimento da população. Economia não é a minha área, mas algumas coisas fazem parte de um cálculo simples: como aquecer uma economia se você tira a possibilidade de consumo das pessoas ao estarem sem emprego e sem uma política social de resguardo?
O desemprego que hoje está na taxa de 14% em Portugal e atinge em especial a juventude é tema inclusive de peça de teatro. Em “O meu país é o que o mar não quer” é retratada a vida de portugueses(as) que decidem migrar para Inglaterra que é o atual principal destino de quem está à procura de emprego e uma vida economicamente melhor.
A adoção de uma moeda própria apresenta vantagens e desvantagens para esta crise que são melhor explicadas pelos autores do livro e que pode ser acessado aqui: http://www.esquerda.net/artigo/leia-introducao-do-livro-solucao-novo-escudo-de-francisco-louca-e-joao-ferreira-do-amaral
A saída para estes dilemas está nas mãos dos(as) portugueses(as), porém não sem nossa preocupação solidária. E a possibilidade de participar destas discussões me fez pensar em duas coisas principais: 1) A mídia portuguesa oferece mais espaço aos problemas de outros países do mundo do que a nossa. Aqui pude acompanhar as eleições brasileiras de perto pela mídia local. Também se fala sobre as eleições de outros países, inclusive dos países africanos, como Moçambique, que são no Brasil realidades totalmente ignoradas. Eu sabia muito pouco sobre o que se passava em Portugal lendo apenas a nossa mídia tradicional; 2) Sobre como estas questões de alternativas a crises estão na pauta hoje também no Brasil e como sempre se trata de uma perspectiva de mundo.
As recentes eleições brasileiras colocaram em disputa e de forma polarizada estas duas visões da austeridade versus a continuidade de programas que garantem um mínimo de justiça social. Foi por pouco que não perdemos para o retrocesso à pauta neoliberal. Sabemos que uma política de flexibilização de direitos sociais no Brasil adquire proporções ainda mais graves, pois seria “cortar no osso” os direitos, já que as garantias sociais conquistadas ainda são mínimas. Assim, a angústia permanece por saber que a pauta da esquerda há ainda muito que avançar: reforma política; reforma agrária; reforma urbana; demarcação de territórios indígenas; direito ao aborto, entre tantas outras pautas que possibilitem mudanças estruturantes no Brasil, avançando no combate a desigualdade social, étnico/racial e de gênero.
Com um período econômico mais recessivo e com o Congresso Nacional conservador que foi eleito, será difícil alcançar este sonhado avanço. Por isso, mais do que nunca será necessária a presença dos movimentos sociais na rua. Neste momento, a solidariedade que já encontrei aqui em território português me faz me sentir mais otimista por saber que nunca estamos sozinhas(os).

Foto: Estudantes Brasileiros(as) em apoio no 2o turno a Dilma

Coimbra, 28 de outubro de 2014.

Lívia Gimenes Dias da Fonseca

Nenhum comentário:

Postar um comentário