quinta-feira, 16 de outubro de 2014

CARTAS DE VALÊNCIA: VIM, VI, VIVI





Gladstone Leonel da Silva Júnior[1]

Valência é uma cidade que merece ser admirada. Ela traz de tudo, um pouco. A beleza arquitetônica mescla o antigo ao moderno sem perder a harmonia.
Cada vez tenho uma impressão maior do vigor da influência árabe na Espanha. Pudera isso refletir também na reprodução cultural e educacional do povo, reconhecendo a força civilizatória do mundo árabe.
Mais elementos da cidade impressionam. Vou falar do jardim de Túria. Nele existem frutas, arte, flores, gente. Podem me questionar:
– Mas seria isso somente um jardim? 
Não tal como concebemos. De acordo com minha imperfeita impressão métrica são uns 300 metros de largura e uns 07 quilômetros de extensão cortando, ao meio, toda a cidade de Valência e desembocando em museus modernistas como o Ciudad de las Artes y la Ciencia e o Hemisferic. Algo incrível! Imagine Belo Horizonte ou São Paulo cortado ao meio por uma natureza viva, cultura, pessoas, animais e bicicletas.
Além desses atrativos, do final desse jardim, em uma rápida caminhada, se chega ao mar mediterrâneo. No verão europeu ele torna-se elemento essencial para o entretenimento e bem estar. Na praia vários seios desnudos logo chamam a atenção de um mineiro desavisado. O repentino espanto, por não observar essa prática nas praias brasileiras, transforma-se em um saudável reconhecimento da diferença cultural para além da construção moral. Nada que esse mineiro recém-chegado não se acostumasse.
A Universidade de Valencia também tem o seu destaque. Não tanto pela estética, mas por sua construção social. A impressão que passa é o permanente contato da mesma com os debates da sociedade, para além da cidade. Não por acaso, encontro professores e estudantes engajados com os problemas Espanhóis, análises da crise, envolvidos em demandas autonômicas e independentistas, refletindo e assessorando o constitucionalismo latino-americano dentre outras tantas questões. Nesse ambiente envolvente com uma boa estrutura, os estudos vão ganhando consistência.    
 Poderia falar muito mais, do quão gostoso são os frutos do mar (principalmente o polvo cozido temperado com pimenta e azeite), da arte de se fazer a paella valenciana, da surpresa em ouvir as pessoas daqui falando valenciano e não castelhano, de sentir a rivalidade entre Levante F.C. X Valencia C. F. um pouco como sinto entre Cruzeiro X Atlético-MG, de cantar e “bailar” músicas do Enrique Iglesias como se estivesse ouvindo um samba de Clara Nunes ou Beth Carvalho.
Uma singular experiência de vida que me agrada, sobretudo, tendo a clareza que o encantamento tem prazo de validade. O conforto em saber que logo me juntarei aos meus é único. Seja para compartilhar tudo isso, para continuar fomentando um direito contra-hegemônico, para construir outros projetos de vida e de sociedade, para fazer um samba do peleja, para jogar capoeira, para ver o Cruzeirão campeão, para estar com o meu povo tendo a convicção de que são as minhas raízes que me direcionam a retornar ao Brasil. Sendo assim, em breve o farei!

Valência, Espanha, Outubro de 2014.    


[1] Doutorando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Realiza estágio doutoral (doutorado-sanduíche) na Universidade de Valencia, Espanha. Advogado da RENAP. Ele integra o coletivo Diálogos Lyrianos.

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