sábado, 18 de outubro de 2014

5ª Carta sobre ensino superior, de Pequim, China: a herança de Confúcio para o ensino superior


Layla Jorge Teixeira Cesar*


Foto: Estudantes à entrada do templo de Confúcio em Pequim

Nesta foto, tirada no último sábado, se vê um dos numerosos grupos de estudantes reunidos em visita ao Templo de Confúcio. Todos se curvam à entrada, como é habitual em Pequim, em sinal de respeito à história que estão prestes a compartilhar.
O Templo de Confúcio foi construído em 1302 e serviu às dinastias Yuan, Ming e Qing, até a Revolução de 1911-1912. Durante este período, operou em paralelo à Academia Imperial de Pequim, como duas faces de um mesmo sistema. A Academia, concebida para desempenhar uma função prática, tornou-se centro administrativo para gestão da educação e reuniu a principal elite de estudantes do império. O Templo, por sua vez, foi consagrado à função simbólica de materializar o ideal filosófico de Confúcio: já no pátio central, 198 colunas de pedra gravam os nomes de 51.624 acadêmicos de destaque para o império.
O confucionismo remonta ao nascimento do próprio filósofo, em 551 a.C., e carrega a educação como seu elemento central. Cada uma das gerações que se apropriaram da filosofia, ao longo dos últimos séculos, imprimiu nela suas próprias influências, resultando o confucionismo hodierno num complexo sistema ético.
Enquanto algumas correntes o descrevem como uma doutrina hierárquica, dogmática e autoritária, outras enfatizam sua dimensão pedagógica, de estímulo à construção coletiva do saber crítico, onde se reconhece em todo indivíduo o potencial para atingir a perfeição através do conhecimento –- e, enfim, tornar-se “cristalino como o jade”.
Estes aspectos aparentemente contraditórios do confucionismo convivem na prática e se substituem em importância de acordo com o momento sócio-histórico que atravessam seus praticantes.
Atualmente, o processo de globalização e internacionalização da educação proporciona, a nível local, a replicação de tensões que observamos em outras partes do mundo – inclusive no Brasil. A adesão à reprodução da vida material dentro da lógica da “sociedade do conhecimento”, reinstalou o investimento em educação como prioridade na agenda do governo chinês com uma orientação clara para a formação de “capital humano” e serviço à expansão econômica.
No nível superior, o processo de massificação do acesso organizado entre 1999 e 2005 ampliou as taxas de matrícula em mais de 40%. Em contrapartida, a obsessão em desenvolver universidades de “padrão global” – evidenciada pela criação do Shanghai ranking –, produz uma grave hierarquização inter-institucional, com maior volume de recursos destinado aos projetos 211 e 985 para universidades de elite, e intra-institucional, com foco em áreas estratégicas associadas à produção de tecnologia.
Este processo de abertura à lógica do capital estrangeiro foi facilitado pelo fato de que as noções de hierarquia e competitividade já ecoavam no seio da cultura local. Dito de outro modo, a lógica neoliberal se apropria do pensamento confucionista e outros traços culturais centrais e exacerba as dimensões que a favorecem.
Esta não é a primeira vez que a China se vê confrontada por influências externas, e já em outros momentos se observou sua reação. Durante a crise da dinastia Ming, registrou-se o primeiro retorno ao confucionismo como substrato cultural de referência para organização social chinesa, no movimento conhecido como “Neo-Confucionismo”. Já no final do século XIX e após a Revolução de 1911-1912, se utilizou recurso semelhante na implementação do chamado “Novo Confucionismo” como estratégia de formação de um consenso social forte o suficiente para garantir a coesão da sociedade local.
Hoje, assistimos com esperança ao renascimento do Novo Confucionismo como oportunidade de criação de um paradigma alternativo e coletivista. Não se trata um retorno literal às raízes da filosofia confucionista. Trata-se do emprego de fundações já existentes para instituição de um novo consenso social que se coloque como alternativa crítica à influência do capital estrangeiro, substituindo a competição pela comunhão como motor da excelência.


Nota: Para mais informações sobre o Novo Confucionismo contemporâneo, ver os trabalhos de Tu Wei-ming, professor de filosofía da Universidade de Harvard, e Robert Cummings Neville, professor de filosofía e teologia da Universidade de Boston.

*Layla Jorge Teixeira Cesar, mestre em Sociologia pela UnB, foi assessora do Reitor José Geraldo de Sousa Junior, no período de seu mandato na UnB (2008-2012). Participa atualmente do programa MARIHE - Mestrado em Pesquisa e Inovação em Ensino Superior, uma ação do consórcio entre universidades na Àustria, Finlândia, Espanha, China e Alemanha. Faz parte da rede Diálogos Lyrianos – O Direito Achado na Rua.



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