segunda-feira, 22 de setembro de 2014

RESENHA DO ENSAIO "SOCIOLOGIA JURIDICA: CONDIÇÕES SOCIAIS E POSSIBILIDADES TEÓRICAS" *


Marcella Beatriz de Guimarães Carrasco**


                        Resenha do texto “Sociologia Jurídica: condições sociais e possibilidades teóricas” de José Geraldo de Sousa Junior
                        O texto “Sociologia Jurídica: condições sociais e possibilidades teóricas” de José Geraldo de Sousa Junior exprime um panorama sobre a atuação da Sociologia Jurídica, considerando as dificuldades e oportunidades indicadas por diversos autores sobre o modo como o âmbito social interage com o Direito, a partir de uma realidade de transição paradigmática.
                        Émile Durkheim afirmava que “é nas entranhas da sociedade que o direito se elabora”, indicando a necessidade do estudante perceber a influência e pressão das necessidades sociais sob o modo como o Direito se forma e transforma. É justamente a partir desse foco nas condições sociais que o texto abre espaço para discussão sobre a atuação da Sociologia Jurídica.
                        O autor expressa sua preocupação acerca da existência da Sociologia Jurídica como sendo, ao mesmo tempo, útil ao profissional do Direito e a seu teórico, a partir da elaboração de modos de pensar e da orientação a práticas profissionais. É a coexistência da utilidade prática com a cientificidade e tecnicismo.
                        Roberto Lyra Filho abonaum processo de “autoinvestigação” realizada pelos atores que utilizam e estudam a Sociologia Jurídica, que consiste em “compreender-se, reflexivamente, no próprio ato de compreender, transitivamente, a realidade social”. Conceito semelhante ao de Lyra Filho é a “autorreflexividade”, indicado por Boaventura de Sousa Santos. Essas perspectivas indicam que a Sociologia Jurídica busca, além de criticar objetos externos, ser objeto das próprias críticas. Como diz Sousa Santos, “quer ser autocrítica enquanto produz a sua crítica”.
                        Para lograr um amplo entendimento, é possível considerar os elementos anteriores e precursores da Sociologia Jurídica, como as observações de filósofos e sociólogos apresentados no texto: Aristóteles, Montesquieu, Comte, Marx, Weber e Durkheim. Ademais, é exequível buscar a multidisciplinariedade na análise das ideias, bem como o uso da imaginação e empatia para a devida interpretação, desenvolvimento e até mesmo exposição das ideias para que se alcance melhores reflexões. BistraApostolova considera também a arte, principalmente a literatura e o cinema, como elemento que desenvolve a imaginação, e essa, por sua vez, “cria condições para que as pessoas aprendam a se colocar no lugar do outro, envolvendo-se com seus valores e problemas”. Essa técnica corrobora com uma interpretação social abrangente, que não se limita na realidade de cada ser em sua individualidade.
                        ElíasDíaz apresenta a concepção de Sociologia Jurídica, em relação à sociologia geral, como a “análise empírica das mútuas e recíprocas conexões existentes entre Direito e sociedade”. Apesarda limitação do objeto da sociologia colocado por Durkheim como sendo a “sociedade em si e não em qualquer de suas subunidades”, a Sociologia Jurídica possui ainda objeto extremamente vasto, multidisciplinar e mutável.André-Jean Arnaud e Maria José Fariñas Dulce apontam a dificuldade de determinar um objeto específico para a Sociologia Jurídica considerando as transições paradigmáticas. Tais autores relacionam a ideia de um projeto de uma “sociologia jurídica renovada” para alcançar o objetivo de “compreensão tanto da complexidade crescente dos sistemas jurídicos quanto de sua dinâmica social”.
                        Para Díaz há de fato um processo de constituição e desenvolvimento da Sociologia Jurídica na contemporaneidade. Ao indicar um processo de reconstrução metodológica e refinamento conceitual, não mais considerando antecedentes e precursores da sociologia como referência para tal processo, ele apresenta a existência de “precedentes imperfeitos”. Esses se referem a um cenário antecedente no qual o Direito era destacado como norma, havendo uma indistinção entre sociologia jurídica e sociologismo jurídico antinormativista. Boaventura de Sousa Santos salienta a existência de uma visão normativistasubstantivista do Direito sobre o que se conhecia desde o século XIX, motivada por concepções jurídicas de mundo que denotam o Direito como criador da sociedade; as relações dessa seriam reduzidas apenas a relações jurídicas. O desenvolvimento do “direito vivo” e da criação judicial do Direito poderiam oferecer condições sociais e possibilidades teóricas que contribuem para a transição da visão normativista para a análise do Direito centrada nos conflitos, e não nas normas.
                        Considerando o que foi exposto, é claro perceber que a análise da sociedade ratifica a importância do âmbito social no Direito. Não obstante, há problemas na relação entre o Direito positivo e os fatos sociais. Para Roberto Lyra Filho, essa objeção deve-se à antítese marcada pelo jusnaturalismo e juspositivismo, podendo se desvanecer a partir da análise de processos histórico-sociais, introduzindo a ideia de uma Sociologia Histórica.
                        Além desse artifício, existem múltiplas propostas de renovação do campo sociojurídico, que colocam o Direito em um contexto de globalização, pluralidade, informalidade e alternatividade. Boaventura de Sousa Santos reporta-se a um processo de “repolitização global da prática social” e “renovação da teoria democrática”, possibilitando uma articulação entre democracia representativa e participativa. Esse processo favoreceria o exercício de uma cidadania ativa, ou um “civismo ordinário”, como mencionado por Patrick Pharo. A transição de certa visão normativista para uma concepção processual, institucional e organizacional do Direito, como fora apontado por Boaventura, é possível ao se considerar uma “reelaboração teórica dos conceitos de juridicidade e de direito”, como visto por Eliane Junqueira. Essa reelaboração corrobora com a desconstrução de imagens derivadas de um dogmatismo tradicional precedente, e torna real o desenvolvimento de novas condições sociais e teóricas que promovam reorientar o ensino jurídico com um viés pluralista.
                        Saindo de uma perspectiva formalista, a Sociologia Jurídica encara a trama social formada por novos movimentos, caracterizando um dinamismo social formado por sujeitos novos, coletivos e descentralizados (retomando a designação de Marilena Chauí). Meu entendimento é de que o Direito, neste momento, passa a ser conjuntamente fruto da sociedade, e não somente seu criador.O “Direito Achado na Rua”, expressão criada por Lyra Filho e que denomina uma linha de pesquisa na Universidade de Brasília, oportuniza o entendimento de que a rua, lugar simbólico que representa a dinâmica social, portanto, é o intermédio no qual os indivíduos percebem a capacidade de se relacionarem de maneira autônoma com o Estado e o Direito, exercendo assim uma “cidadania ativa”.
                        Considerando minha compreensão do texto e percepção pessoal, tal posicionamento da Sociologia Jurídica é imprescindível para o Direito brasileiro. A autocrítica, a meu ver, se afasta de um enfoque puramente sistemático ese aproxima de um pensamento problemático, que pode proporcionara identificação das melhores maneiras de atuação da Sociologia Jurídica, considerando diferentes métodos e meios que se atualizem conforme o processo de transformação da realidade social. Assim, a Sociologia Jurídica pode corroborar com possíveis mudanças no Direito brasileiro em relação a uma realidade que antigamente não era sequer cogitada, como os problemas envolvendo o uso da Internet.
                        Depreende-se, então, do texto de José Geraldo, que apreender uma nova formulação do Direito, longe de um dogmatismo tradicional e de certo formalismo estrito, a partir da visualização do âmbito social, possibilita obter um olhar crítico aberto às transições paradigmáticas e, consequentemente, propiciar melhorias ao Direito tanto em um quadro acadêmico quanto em um quadro profissional.


* O ensaio objeto da resenha está publicado no livro com o mesmo título, de José Geraldo de Sousa Junior, publicado por Sergio Fabris Editor, Porto Alegre,2002, págs. 11-51.
** A autora é aluna do segundo período do curso de Direito da UnB e a resenha foi elaborada como parte das atividades da disciplina Sociologia Jurídica, incluída no segundo semestre do currículo do curso de Direito, da Faculdade de Direito da UnB.

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