quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Não carecemos de uma lei assim


JOSÉ CARLOS MOREIRA DA SILVA FILHO*

No campo político e na esfera institucional da sociedade brasileira, o medo tem sido sempre o combustível de decisões equivocadas e de resultados violentos. O medo gera atitudes irracionais e bruscas e quase sempre possui dimensões irreais e fantasiosas que escondem interesses e preconceitos.
Por isto mesmo, estimular o ambiente de temor e apreensão, mesmo quando falsos ou superdimensionados os motivos, é quase sempre uma poderosa arma política manuseada pelos grupos interessados em seus efeitos.
Um bom exemplo disto, magistralmente demonstrado no filme O Dia que Durou 21 Anos, dirigido por Camilo Tavares, foi a atuação, no início dos anos 60, do Instituto de Ação Democrática (Ibad), fortemente ligado à CIA, e que amplificou, por meio de uma maciça propaganda e com apoio de certas elites conservadoras do país, o fantasma de uma ameaça inexistente de revolução comunista. O resultado foram 21 anos de ditadura e terrorismo de Estado e a produção de uma forte estrutura jurídico-autoritária que até hoje não foi totalmente rompida.
Diante da lamentável morte do cinegrafista Santiago e da proximidade da Copa, o Senado Federal, com o apoio das forças de sustentação do atual governo, tem contribuído para estimular um pânico irracional ao propor a criação de mais um mostrengo autoritário: uma lei que tipifique o crime de terrorismo.
Em primeiro lugar, não carecemos de uma lei assim, pelo simples fato de que no Brasil não há evidência alguma de atividade terrorista. Não temos nada parecido com a Al-Qaeda ou com o ETA por aqui, nem mesmo ramificações desses grupos na Tríplice Fronteira. Em segundo lugar, o projeto de lei (PL 499/2013) não define o que é “infundir terror ou pânico generalizado”, ou ainda pior “incitar o terrorismo”, cabendo neste vácuo semântico toda sorte de generalizações e abusos. Em terceiro lugar, já temos leis penais suficientes para coibir a violência em manifestações e forças de segurança que não hesitam em usar a força bruta, muitas vezes até de modo abusivo e ilegal. Em quarto lugar, ações de violência por parte dos manifestantes são a exceção, sendo pacífica a maciça maioria das manifestações. Em quinto lugar, esta lei servirá para criminalizar e estigmatizar ainda mais os movimentos sociais populares que vão às ruas reivindicar os seus direitos (quem acha que a ação destes grupos é baderna não pode depois reclamar que o povo brasileiro é acomodado e que os políticos nada fazem). Em sexto lugar, é lamentável que senadores do PT, um partido criado a partir dos movimentos sociais populares, apoiem abertamente este projeto de lei, atitude indigna da trajetória desses senadores e do próprio partido. Por fim, é evidente que a preocupação maior da proposta é imediatista: a Copa, o que é evidente quando “estádios esportivos” são considerados bens ou serviços essenciais, cujo dano pode enquadrar o seu causador como terrorista.
Leis e políticas de ocasião insufladas pelo medo irracional resultam em mais autoritarismo e violência e menos paz e democracia.

*Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS. O autor fez sua graduação na UnB, participando da construção pedagógica de O Direito Achado na Rua. Este artigo foi originalmente publicado em Zero Hora, Porto Alegre, em 19/02/2014

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