segunda-feira, 15 de julho de 2013

2ª. Carta de Nagoya



Diego Nepomuceno Nardi

Há alguns meses atrás, quando enviei o primeiro e-mail relatando minhas experiências ao Prof. José Geraldo, havia mencionado que os primeiros dias por aqui haviam sido marcados por uma ausência, um sentimento de incompletude.  E eles assim continuam. Ausência de abraços, de manifestações políticas abertas; ausência de Universidade ocupada e viva; ausência de extensão e de espaços construídos horizontalmente; falta de relações interpessoais que se abrem na intimidade aos amigxs; falta da casa cheia, da cumplicidade que vai para além do cuidadosamente programado e dos espaços muito bem delimitados.

Nos primeiros dois meses, a reação que tive ao não familiar foi o isolamento. Um desconforto profundo e uma tentativa persistente de recriá-lo, sem dar espaço para as possibilidades de deixar-se afetar que se abrem diante de mim.

Nas aflições de não encontrar um lugar para pertencer, para dar vazão aos anseios de prosseguir debatendo, atuando e levantando pautas como gênero, emancipação, extensão, política estudantil, sempre me voltava (e ainda me volto) às amigas e amigos que se fazem presente, ainda que a dois oceanos de distância. Numa dessas conversas, caiu em minhas mãos um texto do Da Matta, “O Ofício do Etnólogo, ou como Ter Anthropological Blues”. Há coisas ali com as quais não há como concordar, porém, a evocação feita em tom profético (e que me foi um caminho para trilhar) diz: para descobrir é preciso relacionar-se. Criticando o ofício do antropólogo, Da Matta tenta evidenciar a forma como os sentimentos e as emoções se insinuam no trabalho de campo.

Apesar de não estar assumindo o papel de um antropólogo em minha aproximação com o exótico que é, para mim, a sociedade japonesa, essa marginalização, que se manifesta em sentimento de segregação, é indispensável ao estranhamento. E faz um tempo que, ao invés de tentar suprimir o estranhamento e buscar, unilateralmente, construir explicações para o não familiar, tenho me esforçado em relacionar-me. Uma relação baseada no confronto entre minha subjetividade e aquelas que hoje me circundam, entre o familiar e o exótico, o confronto que, como conclui Da Matta, desloca nossa própria subjetividade. E desde o primeiro momento que aqui cheguei, minha subjetividade está sendo deslocada. Nesse deslocamento relaciono-me intensamente com minha própria cultura: talvez por isso, mais do que nunca, tenho pensado sobre questões que remetem ao meu lugar no mundo (Brasileiro? Latino Americano?). Nunca antes contestei tanto minha própria realidade, lançando dúvidas e questionamentos sobre situações que, até pouco tempo, não problematizava.

Esse deslocamento tem a possibilidade de me levar não a entender por inteiro as relações e regras hierárquicas que  marcam a sociedade japonesa, mas a estabelecer um diálogo, e - recolocando em contexto diverso a frase de Da Matta – “permitir dialogar com as formas hierárquicas que convivem conosco”, afinal “o homem não se enxerga sozinho. (...) ele precisa do outro como seu espelho e seu guia”.

Desde então, aos poucos, tenho conseguido o companheirismo e confiança daqueles que não apenas se propõem a construir esse diálogo, mas me levam e me guiam por caminhos que, inicialmente, não estavam abertos. Talvez, o que eu esteja tentando é, justamente, sem cair nas armadilhas de um relativismo ou universalismo infecundos, assumir as possibilidades de um diálogo intercultural baseado em uma hermenêutica diatópica: perceber que os topoi de minha cultura são tão incompletos quanto ela mesma, e contribuir, dentro de minhas possibilidades, para que aquelxs que se propõe a construir esse diálogo ampliem a consciência sobre a incompletude que também atinge suas próprias culturas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário