terça-feira, 20 de novembro de 2012

A refundação da UnB 2008 2012


“Nunca houve tanto diálogo”
 Entrevista
Fonte: http://www.unb.br/noticias/downloads/entrevista.pdf
Os professores José Geraldo de Sousa Junior, do Direito, e João Batista de Sousa, da Medicina, assumiram a gestão da Universidade de Brasília em meio a dois principais desafios: recuperar a confiança da comunidade após uma grave crise institucional e conduzir o imenso processo de expansão física e acadêmica demandado pelo Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Quatro anos depois, o reitor e o vice-reitor consideram que cumpriram a missão. Com um detalhe: mantendo o espírito da utopia e respeitando o projeto original da fundação da UnB, há 50 anos.
Na entrevista, a seguir, o reitor e o vice fazem um balanço de sua gestão, apontando quais as grandes dificuldades encontradas e as ações promovidas para tornar a UnB um espaço democrático, inclusivo e emancipatório, avançando na excelência acadêmica e nas condições de trabalho e convivência de professores, servidores e estudantes. “A Universidade tornou-se um lugar plural de construção de valores e paradigmas, onde os consensos puderam ser construídos”, diz o reitor José Geraldo.
Qual é a marca da gestão? 
José Geraldo: A gestão é marcada no plano simbólico 
e no plano programático por dois vetores: expansão e gestão colegiada. A expansão da Universidade, no momento de seu cinquentenário, significa um momento de refundação. Não por acaso, uma obra símbolo disso é o Memorial Darcy Ribeiro, que, de alguma maneira, traz Darcy para o coração da Universidade, dentro do princípio utópico do projeto que ele formulou, juntamente com Anísio Teixeira e outros intelectuais: fazer uma universidade completa. A UnB alcança essa dimensão ao se tornar multicampi, presente territorialmente em várias cidades. Ela também é policêntrica porque no próprio campus original, o Darcy Ribeiro, a expansão se fez de maneira muito forte. São cerca de 100 mil m2 de novas edificações, com novos cursos e o dobro de alunos ingressantes na graduação e ampliação de programas de pós-graduação. 
A Universidade tornou-se matutina, vespertina, noturna, um lugar plural de construção de valores e paradigmas, onde os consensos puderam ser construídos, e que encontrou na gestão compartilhada a sua principal expressão. Houve intensidade e qualidade das reuniões nos colegiados, a criação do Conselho Comunitário, que hibernou no estatuto por 16 anos, e também outros instrumentos que vão desde audiências públicas às mesas de negociação, passando pelo orçamento participativo. O diálogo foi, sobretudo, a estratégia mediadora para a formação dos consensos e para a solução dos conflitos. O eixo da nossa proposta foi fazer uma Universidade democrática, emancipatória, inclusiva e de qualidade.
João Batista: A Universidade também cresceu em cooperação,  internacionalização e na educação a distancia. Recentemente aconteceu a colação de grau das turmas de Linguagem Brasileira dos Sinais do polo da UnB na Universidade Federal de Santa Catarina. Eu estive lá e foi a colação mais cativante que já vi, com vários formandos surdos demonstrando o quanto a Universidade é prestigiada e o quanto está presente. 
Que desafios a expansão trouxe?
José Geraldo: A Universidade ficou grande, sofisticada e muito complexa. Por isso, tivemos que fazer diagnósticos para entender essa mudança e trabalhar a modernização, incluindo poder informatizar a Universidade e modificar a estrutura, o que significa superar práticas que aqui estavam muito arraigadas no corpo técnico, por falta de concursos que nós não tínhamos. Um novo cabedal de técnicos afeiçoados às novas possibilidades tecnológicas chegou e precisávamos fazer um diagnóstico para a modernização. Esse processo implicou mudança da estrutura gestora com a criação de dois decanatos. Foi preciso planejar, ordenar melhor o orçamento e investir profundamente nos processos e na gestão das pessoas. 
As mudanças tornaram os processos mais lentos?
José Geraldo: Nós conseguimos manter a instituição funcionando. Não houve rupturas, não houve sobressaltos em função da complexidade, a Universidade não se tornou inoperante. Pelo contrário. Basta ver o incidente da edificaão da UnB Ceilândia, que gerou ocupação e o chamamento do Conselho Universitário para fazer a mediação entre as expectativas dos professores e de estudantes. A Novacap, que era responsável pelo projeto, teve problemas de realizá-lo. O GDF era o gestor daquela edificação. E o que a comunidade pediu? Que a Universidade assumisse. Esta Universidade, que se diz lenta, deu conta de completar a obra, mesmo com esses limites, diferentemente do que aconteceu em outras universidades brasileiras. Conduzimos toda a alta envergadura da expansão, com as licitações, com os projetos, com contratos e suas execuções em mais de 60 obras que foram concluídas ou estão em processo de conclusão no campus. Não há nenhuma obra parada. Tivemos de lidar com os impasses de gestão desses processos: falência de empresas e outros aspectos problemáticos, mas superamos todos eles e completamos as metas. 
O Reuni foi 100% concluído na UnB. Aquilo que é criticável é menos pela capacidade de a gestão poder fazer e mais pelo sistema público, que realmente coloca obstáculos legítimos para o controle da qualidade, da eficiência e da avaliação do gasto público.
Como foram definidas as metas e prioridades?
José Geraldo: Com diálogo republicano, em um espaço sem balcão, sem privilegiar demandas. É só ver a lista de obras e o cronograma de execução. Um processo republicano de definição de prioridades nos colegiados, decorrentes dos acordos e consensos estabelecidos.
João Batista: A Comissão de Reestruturação e Modernização, que eu presidi, teve papel importante nesse processo. Nós tínhamos a impressão de como a Universidade funcionava, onde estavam seus principais gargalos, mas precisávamos organizar, de forma sistemática. Isso foi feito com a comunidade, ouvindo as unidades acadêmicas e administrativas. Focamos na gestão de meios, de pessoas, orçamento, planejamento e contabilidade considerando a complexidade da Universidade quando ela cresceu. Chamamos pesquisadores que organizaram a pesquisa com a comunidade. Isso gerou seis documentos importantes. Ali tem todo o diagnóstico de forma detalhada, com sugestões do que deveria ser feito para melhorar. E ele ainda está em andamento, há comissões trabalhando. Foi um processo vitorioso porque se transformou em produto, que fica como legado: um diagnóstico feito pela própria instituição. 
Como foi o processo de reestruturação do Cespe e do Hospital Universitário? 
José Geraldo: O Cespe deve ser transformado em empresa pública vinculada ao Ministério da Educação, 
enquanto o HUB vai aderir a outra estatal, a Ebserh. Tratam-se de soluções inéditas e avançadas. Permitem 
que a gente evolua da condição de ter estruturas de gerenciamento de projetos com resquícios privatizantes para nos organizarmos sob forma de instituição de empresa pública. Os relatórios da Organização para a 36
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico elenca nove ou dez novas funções para a universidade. Nos discursos atuais da presidente da República, as universidades estão sendo chamadas para se constituírem no núcleo estratégico do salto de desenvolvimento que o país precisa dar. Como dar conta dessas novas funções? A possibilidade de empoderamento por meio de empresas públicas é uma resposta avançadíssima para algumas dessas novas questões.
João Batista: O Cespe foi reconhecido como um órgão de importância para o país, em um momento que não poderia continuar operando da forma como estava. Só está operando porque surgiu essa alternativa de transformação em empresa pública. A Ebserh envolve outras universidades e não foi uma solução pensada para resolver problema de pessoal como muitos colocam. Desde 2005 há discussões entre o MEC, o Planejamento e a Saúde para resolver a questão dos hospitais universitários. Embora prestem um serviço de qualidade, a maneira como vinham sendo geridos, como contratam pessoas e o orçamento que têm não poderia ser mantida. A discussão que temos que ter é: como contar com um hospital sustentável? O que nós defendemos hoje é: ensina-se prestando assistência e presta-se assistência ensinando. 
A crise que antecedeu a gestão foi superada?
José Geraldo: A UnB passou a ser recuperada na linha da sua importância para a cidade, já se descolando do lugar desqualificador que a crise tinha levado. São mil professores novos, mais estudantes com diferentes perfis sociais por conta dos critérios de inclusão pela duplicação do número de vagas. Esses elementos se colocaram como interlocutores para esse chamamento a uma Universidade que tem projeto, valores históricos e os que se colocam no contexto da conjuntura: uma Universidade solidária que se abriu às novas políticas de acesso. Por exemplo, a política de cotas, não fomos nós que iniciamos, mas fomos nós que a defendemos, que levamos o debate para o Supremo Tribunal Federal, depois de interpelações daqueles setores de elite que não se conformam com uma universidade mais democrática, que não é só funcional ou instrumento de qualificação dessas elites para que elas mantenham seus lugares profissionais e sociais pré-inscritos na condição hegemônica da sociedade. Além disso, vimos a consolidação do papel da Universidade como grande avaliadora e certificadora, colocando o Cespe no centro do grande desafio de criar um novo modelo no país com o Enem. A credibilidade veio com o fato de que nós assumimos uma atitude de muita transparência e convicção sobre a nossa própria autoavaliação, com transparência e publicidade de todos os nossos atos. No sentido simbólico, tivemos a oportunidade de construir uma agenda muito valiosa com o cinquentenário da cidade e o da UnB, que recolocou a Universidade na agenda 
cultural e educativa da cidade com as semanas universitárias, com o FLAAC, com o FINCA, com os vários festivais que nós temos.
João Batista: A transparência é muito clara. Tudo é aberto. As decisões, principalmente as do Conselho Universitário, são gravadas, passam na UnB TV, na internet. Todo mundo acompanha. As questões complexas foram transformadas em audiências. Isso pacificou, levou a Universidade a recuperar o prestígio, a credibilidade.

“A Universidade tornou-se um lugar plural de construção de valores e paradigmas, onde os consensos puderam ser construídos, e que encontrou na gestão compartilhada a sua principal expressão”
José Geraldo de Sousa Junior, reitor


O aumento do controle externo provocado pela crise dificultou os processos internos?
João Batista: Na realidade, a Universidade tinha perdido a sua capacidade de gestão porque tinha, em parte, sido substituída por outros meios, terceirizada. Quando trouxemos a gestão para dentro da estrutura interna, houve um período de aprendizagem, pedagógico, em que as coisas ficaram mais lentas mesmo. Mais adiante, voltarão a seguir o fluxo normal. Em 2011, a Universidade executou seu orçamento todo, faltaram apenas R$ 6 mil, que estavam sem rubrica. A UnB consegue executar seu orçamento todos os anos. O processo de compra, lógico, pode ser aperfeiçoado. Há necessidade de investimentos, de superar culturas, fazer investimentos tecnológicos e em pessoas. O que temos hoje é um processo mais controlado. E é preciso ter um bom controle do que se compra, dos gastos. Mas também não é verdade que a Universidade comprava tão rápido. O processo de compra é relativamente lento. Essa questão pode ser superada com planejamento.
José Geraldo: Não só comprar mais rápido como comprar melhor. O planejamento ajuda nesse aspecto no tocante a identificar respostas funcionais ao que é adquirido, em termos de mobiliário, equipamentos ou insumos. Esse trabalho já foi iniciado. As administrações futuras vão se beneficiar dele certamente. Mas tem um limite que é o modelo público de gestão patrimonial e material e de pessoal. O que eu quero dizer é que continuamos comprando e fazendo a gestão patrimonial plenamente. Tanto que nós não precisamos alienar nenhum centímetro do patrimônio. Ao contrário, acrescentamos muito patrimônio e continuamos acrescentando. Agora mesmo está em trânsito a aquisição de áreas no Paranoá, em Brazlândia, no Torto.
Quais as principais medidas tomadas em relação aos servidores?
João Batista: Trouxemos essa questão para um nível estratégico bem importante, porque sem as pessoas, você não realiza. Quando você fala de política de gestão de pessoas, não é só controlar pagamentos ou pontos. Você tem que ter políticas de capacitação e vinculante ao processo de desenvolvimento da instituição, fizemos muitos cursos de capacitação, investimos muitos recursos em qualificação de servidores e na criação de programas de pós-graduação para servidores. A flexibilização da jornada de trabalho foi feita não como uma reivindicação corporativa dos trabalhadores, mas pactuada no Conselho de Administração por entendermos que ela faz parte de uma política de direitos, que é boa para uma universidade que tornou-se complexa e que tem um quadro de servidores foi ampliado e renovado, mas que tem dificuldades na manutenção desse quadro. Pessoas que pensavam em fazer novos concursos pararam e estão satisfeitas, conseguindo ficar na Universidade porque têm outros valores que são importantes para elas. O índice de evasão de servidores era de praticamente 40% e hoje é de 10%.
O que não foi possível realizar?
José Geraldo: Não há nada que nos frustre. Ou foi feito ou é acervo que a gente foi plantando como semente. A não realização do Congresso Estatuinte, por exemplo, não nos frustra, porque o que ele visava foi cumprido de outros modos. Discutimos a dimensão do poder, que era uma das demandas da Estatuinte, construímos a alternativa da paridade no diálogo com os conselhos universitários. Esse diálogo foi estabelecido nas audiências públicas, nas situações em que tivemos que construir interlocuções de diferentes modos. No fundo, a gestão, com sua característica compartilhada e efetivamente democrática, foi, ao fim e ao cabo, uma Estatuinte permanente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário