terça-feira, 12 de março de 2024

 

CORREIO BRAZILIENSE

12/03/2024

Opinião, p. 19

ARTIGO

Conferência Regional de Educação Superior: a Universidade hoje na América Latina e Caribe

 

José Geraldo de Sousa Junior Professor e ex-reitor da UnB (2008-2012); foi Presidente da Comissão de Autonomia da Andifes; autor/organizador do livro Da universidade necessária à universidade emancipatória

Evento vai reunir, em Brasília, reitores, diretores, acadêmicos, trabalhadores, estudantes, associações profissionais, centros de pesquisas e representantes de organizações governamentais e não governamentais

 

A CRES 5 vai acontecer no Centro Internacional de Convenções do Brasil, em Brasília (DF), de 13 a 15 de março. Organizada pelo Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de Educação Superior (Sesu) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e pelo Unesco IESALC, a Conferência reunirá reitores, diretores, acadêmicos, trabalhadores, estudantes, redes de ensino superior, associações e profissionais, centros de pesquisa, sindicatos, representantes de organizações governamentais e não governamentais e todos os interessados na educação superior no continente.

A III Conferência Regional de Educação Superior, realizada em Córdoba (Argentina) em junho de 2018, adotou uma Declaração e um Plano de Ação 2018-2028. Após a Conferência Mundial de Educação Superior, em 2022, os atores de educação superior da região avaliaram a necessidade de realizar uma reunião de acompanhamento da III CRES, a fim de promover um processo participativo que destacasse o progresso alcançado, bem como os desafios remanescentes e as questões emergentes, especialmente relacionados à pandemia da covid-19.

A CRES 5 será a concretização dessa decisão, permitindo analisar as conquistas da educação superior na América Latina e no Caribe e, ao mesmo tempo, estabelecer prioridades para a próxima Conferência Regional de Educação Superior, prevista para 2028.

O fio condutor dos debates da III Conferência são as condições de trabalho na educação superior. O trabalho decente e as condições de vida dos atores da educação superior enquanto afirmação do princípio de que é impossível haver educação superior de qualidade sem assegurar os direitos e as condições laborais estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho, como emprego produtivo com salário justo, oportunidades e tratamento igualitário, seguridade social e possibilidades de desenvolvimento pessoal e integração social. Entre as especificidades que ativam essa questão, estão as garantias de direitos, incluindo questões emergentes aceleradas pela pandemia de covid-19, como a digitalização da educação e seus efeitos nas rotinas, cargas e jornadas de trabalho. Assim, entre as tarefas atribuídas a esse eixo, estão avaliar a situação atual das condições de vida e trabalho na educação superior e propor caminhos concretos para a proteção dos direitos e a promoção do bem-estar de todos os trabalhadores da educação superior na região.

Estão disponíveis, na página da Conferência, as minutas dos documentos-base resultantes das atividades dos Grupos de Trabalho (GTs) responsáveis por cada eixo temático da CRES 5, incluídas no temário após a reunião preparatória da Conferência que ocorreu em Havana, Cuba, nos dias 7 e 8 de fevereiro. E eles configuram o rico painel de assuntos que serão tratados, a partir dos respectivos Grupos de Trabalho, a saber: GT.1 Documento base (minuta) - A educação superior como parte do sistema educacional na América Latina e Caribe; GT.2 Documento base (minuta) - Educação Superior, diversidade cultural e interculturalidade na América Latina e Caribe; GT.3 Documento base (minuta) - Educação Superior, internacionalização e integração regional da América Latina Caribe; GT.4 Documento base (minuta) - O papel da educação superior diante dos desafios sociais da América Latina e Caribe; GT.5 Documento base (minuta) - Pesquisa científica e tecnológica e inovação como motores do desenvolvimento humano, social e econômico para a América Latina e o Caribe; GT.6 Documento base (minuta) - O papel estratégico da educação superior no desenvolvimento sustentável da América Latina e Caribe; GT.7 Documento base (minuta) - Trabalho decente e condições de vida dos atores da Educação Superior; GT.8 Documento base (minuta) - O Impacto da COVID-19 na Educação Superior; GT.9 Documento base (minuta) - Inclusão, diversidade e o papel da mulher na Educação Superior; GT.10 Documento base (minuta) - Financiamento e Governança; GT.11 Documento base (minuta) - A autonomia das Instituições de Educação Superior; GT.12.1 Documento base (minuta) - O futuro da Educação Superior na América Latina e Caribe; GT.12.2 Documento base (minuta) - O futuro da Educação Superior na América Latina e Caribe

Convidado a proferir a conferência de encerramento da Conferência, no dia 15, acertei com a organização o tema "Universidade, hoje, no contexto de América Latina". Realizando-se em Brasília, a cidade na qual Darcy Ribeiro implantou a síntese de seu mais elaborado projeto, a universidade necessária inscrita na proposta de criação da Universidade de Brasília, é fundamental que se possa pensar o destino compartilhado de sociedades cuja origem comum, a colonial, somente pode se consumar, de novo Darcy, como uma pátria grande, num contexto de emancipação.

Portanto, trata-se de pensar uma universidade emancipada, que se livre das injunções colonizadoras que alienaram o humano no passado colonial e que não podem se conformar, a alienação do pós-humano, no contexto neocolonial e neoliberal.

Por isso, a defesa da autonomia, no conhecimento, para escapar ao empreendedorismo que o mercadoriza, numa modelagem funcional de acumulação privatizante (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de Future-se valoriza o privado e não acena para o ethos acadêmico, in IHU-Revista do Instituto Humanitas Unisinos, nº 539, ano XIX, 2019) quando a luta emancipatória (por inclusões: de classe, de gênero, de raça), alcançaram o simbólico da educação como bem público, social, fora do mercado, como está no desenho das principais constituições da região.

Isso significa cautela com relação ao artificial e ao distanciamento porque o conhecimento só pode ser construção do comunitário, do diálogo real, preservado na sua liberdade (conforme a OEA já preveniu ao editar Princípios Interamericanos sobre a Liberdade Acadêmica, para prevenir "a constatação da ameaça crescente, no continente, de agressões, mobilizações e atitudes contra a autonomia universitária e a liberdade de ensino, sobre a desinstitucionalização e a desconstitucionalização desses fundamentos, caros aos enunciados dos direitos convencionais internacionais, assim como da própria ONU"(https://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Principios_Libertad_Academica.pdf).

 

 

quarta-feira, 6 de março de 2024

 

Constitucionalismo Achado na Rua: uma contribuição à Teoria Crítica do Direito e dos Direitos Humanos Constitucionais

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

Nada melhor   para apresentar o livro, indicar sua organização, autores e temas que formam o seu conteúdo, sintetizando-o, do que valer-se do texto que eu próprio, um dos coordenadores da Coleção (tarefa que compartilho com meu colega de Grupo de Pesquisa professor Alexandre Bernardino Costa), juntamente com Daniela de Macedo B. R. T. de Sousa, Daniella de Oliveira Torquato, Débora Donida da Fonseca e Janaína Carvalho Simões Patriota, preparamos para a edição da obra. Claro que o núcleo sintético de cada texto foi esboçado pelos seus autores e autoras, num cuidado da organização em preservar a fidedignidade autoral dos respectivos textos.

Este Livro, Constitucionalismo Achado na Rua: uma Contribuição à Teoria Crítica do Direito e dos Direitos Humanos Constitucionais, volume 8, da Coleção Direito Vivo, da Editora Lumen Juris, é mais um resultado coletivo de esforços reflexivos sob uma perspectiva teórica e prática sobre a temática do constitucionalismo achado na rua. Desenvolvidos por pesquisadores e pesquisadoras, estudantes, professores e professoras, em ambiente de ensino, pesquisa e extensão, serão apresentados aqui trabalhos que constituem o acervo crítico da Coleção, demarcada pela perspectiva teórico-crítica de O Direito Achado na Rua, sua concepção e prática.

Um primeiro lançamento da obra está já programado (https://www.youtube.com/watch?v=WZrReLPG_hQ&t=2s):

A publicação consolida a reunião de ensaios elaborados por pesquisadores, pesquisadoras e participantes do programa acadêmico de O Direito Achado na Rua, dando continuidade aos 7 volumes já publicados, a partir do trabalho desenvolvido nos últimos meses de 2022 e no primeiro semestre de 2023 nos Programas de Pós-graduação em Direito – FD e em Direitos Humanos e Cidadania – CEAM da Universidade de Brasília, sob a coordenação e regência dos Professores José Geraldo de Sousa Junior e Alexandre Bernardino Costa, vinculados aos respectivos Programas.

Considerando a diversidade das trajetórias acadêmicas e profissionais dos autores e das autoras, o ponto de conexão entre os ensaios foi a participação profícua e coletiva nos debates, reflexões e seminários sobre temas e realidades que atravessam o debate sobre o Constitucionalismo Achado na Rua a partir de uma perspectiva teórica crítica do Direito e dos Direitos Humanos.

A obra se apresenta, então, como um conjunto de reflexões e de diálogos teóricos e práticos a partir da fortuna crítica das categorias do Direito Achado na Rua. Os ensaios foram organizados em quatro eixos temáticos, construídos tanto singular quanto coletivamente, com diferentes abordagens que se aproximam em relação à perspectiva de proteção e de promoção dos direitos humanos à luz de um Constitucionalismo Achado na Rua.

Autores, autoras, organizadores e organizadoras do presente livro agruparam os trabalhos da seguinte maneira: Eixo 1 – reflexões teórico-filosóficas; Eixo 2 – constitucionalismo, movimentos e achados; Eixo 3 – insurgências e emergências; Eixo 4 – constitucionalismo e democracia.

Ainda que o fio condutor das reflexões a partir do Direito Achado na Rua seja a concepção do Direito enquanto “a enunciação dos princípios de uma legítima organização social da liberdade”, consoante a formulação de Roberto Lyra Filho, é importante registrar que a singularidade da formação acadêmica dos autores e das autoras da presente obra poderá traduzir uma perspectiva que não esteja plenamente alinhada a este enunciado.

Entretanto, os ensaios foram elaborados com o respeito à autonomia autoral e acadêmica dos que os subscrevem, com o alinhamento à perspectiva da emancipação do humano, da proteção e da promoção de direitos em prol da superação da opressão e da espoliação, no fortalecimento da pauta democrática.

Feito esse breve panorama da coletânea, apresentamos os resumos dos textos que compõem a presente publicação:

Em Constitucionalismo Achado na Rua: uma contribuição à Teoria Crítica do Direito e dos Direitos Humanos Constitucionais, na condição de texto de Introdução ao livro, o Professor Dr. José Geraldo de Sousa Junior apresenta o percurso das reflexões que entrelaçam o Constitucionalismo com a perspectiva do Direito Achado na Rua, com referências teóricas e conceituais fundamentadas na Teoria Crítica do Direito e dos Direitos Humanos.

Em Constitucionalismo Achado na Rua no Contexto do Pluralismo Jurídico Emancipatório Latino-americano, Eduardo Xavier Lemos, Vercilene Dias, Daniele Gonzales, Euzilene Morais e Valdivina Costa abordam a origem e a proposta de emergência do coletivo O Direito Achado na Rua, que se explica a partir da dialética de Roberto Lyra Filho, partindo da insurgência das camadas populares e que procura evidenciar a apropriação e redução do Direito, do constitucionalismo na figura única do Estado. Uma redução à norma que produz um engessamento da sociedade, criando um Direito que não responde adequadamente às crises, inerentes de todas as sociedades.

Em A constituição rizomática de O Direito Achado na Rua, Margareth Conceição Batista discute a teoria de O Direito Achado na Rua sob a Dimensão Filosófica do conceito do rizoma de Deleuze e Guattari. Discute-se o direito dentro da trama rizomática, que não é centralizado e nem hierarquizado, mas está aberto a novas possibilidades de teorização, a partir da percepção de que o direito está inserido na realidade histórica dos sujeitos e, portanto, passível de reelaboração para atender às necessidades contidas na realidade cotidiana dos sujeitos. O conceito filosófico desses autores vai ao encontro das bases epistemológicas e metodológicas da teoria do Direito Achado na Rua que está assentada na historicidade e na complexidade do homem. O conceito rizomático pode ser explorado nas investigações sobre o Constitucionalismo Achado na Rua, o Pluralismo Jurídico e, ainda, na metodologia de ensino de O Direito Achado na Rua.

Em Direito Achado na Rua: críticas e esperanças, Fernando La Roque faz uma reflexão crítica das leituras e das aulas da disciplina O Direito Achado na Rua. A partir das inquietações trazidas por essas vivências, foram feitas digressões, sempre que possível aplicando ao objeto concreto da pesquisa que é a dignidade humana, mais especificamente, questionando o porquê da nossa passividade em relação à constante violação de direitos de que somos vítimas cotidianamente.

Em O constitucionalismo negro e a contribuição de Sérgio Martins, Benjamin Xavier de Paula apresenta pesquisa qualitativa baseada em fontes bibliográficas e documentais sobre a produção intelectual dos/as pesquisadores/as negros que tratam do Direito Constitucional e do Constitucionalismo no Brasil, a partir das teorias e metodologias científicas que inserem a negritude e o racismo como foco de análise das suas investigações, dentre os quais, o panafricanismo e as teorias da negritude com as contribuições recentes dos/as intelectuais brasileiros/as à Teoria Crítica Racial. A imersão no pensamento do advogado, jurista, e ativista negro brasileiro – Sérgio Martins – responsável pela primeira produção científica realizada na pós-graduação stricto sensu na área do Direito, após a Constituição Federal de 1988, demonstra como seu estudo busca desmistificar as nuances que permeiam a nossa tradição constitucional, bem como, indicar caminhos para uma outra tradição que incorpore os direitos fundamentais da população negra.

Em Direito Achado na Rua e Movimento Negro: Ferramentas constitucionais para a concretização das lutas políticas, Danielle de Castro Silva Lobato explora como O Direito Achado na Rua dialoga com as demandas e a luta política da população negra para a concretização de políticas públicas e avanços para o movimento negro. As diferentes visões a partir de um pluralismo jurídico se entrelaçam na construção de direitos constitucionais através dos sujeitos coletivos de direitos. Sendo assim, é uma das questões da contemporaneidade importantes para o campo das Ciências Sociais e do Direito, ao explicitar e compreender o racismo como fenômeno estruturante da sociedade, que gera opressões e determina lugares sociais numa matriz de dominação. O movimento negro e O Direito Achado na Rua remam contra a maré de opressões na esperança de dias melhores e ferramentas para o alcance da dignidade humana.

Em Crianças, adolescentes e jovens como sujeitos coletivos de direito: diálogos e reflexões à luz do constitucionalismo achado na participação, os autores Alisson Oliveira da Silva, Carolina Rodrigues, Daniela de Macedo Britto Ribeiro Trindade de Sousa e Daniella de Oliveira Torquato, considerando as diferentes experiências profissionais dos autores, realizam uma conexão entre os direitos de crianças, adolescentes e jovens com o constitucionalismo achado na participação. Para tanto, o ensaio propõe um olhar decolonial, que considera a diversidade social e cultural como fatores essenciais para enxergar esses sujeitos em sua integralidade, garantindo sua proteção integral e seu desenvolvimento como cidadãos ativos e capazes de transitar e de contribuir para uma sociedade democrática.

Em O Direito Achado nas Imagens, Débora Herszenhut parte  do levantamento do acervo filmográfico desenvolvido ao longo de 1987 e 2014 pela ONG Vídeo nas Aldeias com grupos indígenas de diversas etnias ao redor do Brasil, bem como da produção bibliográfica já produzida sobre este acervo fílmico. Ela apresenta algumas das questões que foram propostas acerca destes filmes relacionando-as com teorias antropológicas e cinematográficas, ao passo que propõe a articulação destas teorias e questões levantadas acerca desta produção com a história do indigenismo brasileiro ao longo deste período. As questões apresentadas referem-se principalmente ao papel desempenhado pela imagem na construção de relações e de elaboração de identidades étnicas no contexto político-social contemporâneo, especialmente no que tange à história da constituição dos direitos legislativos das populações indígenas brasileiras em diálogo com a teoria do Direito Achado na Rua.

Em A opressão feminina no Brasil como um resquício da colonialidade e reflexo na representatividade política, Janaína Carvalho Simões Patriota e Raquel Martins de Arruda Neves registram a presença contínua do poder e da dominação ao longo da história humana, particularmente evidenciados na subjugação do feminino desde as primeiras sociedades. No Brasil, essa dinâmica remonta aos tempos da colonização, quando as mulheres eram relegadas a um papel secundário, confinadas a atividades privadas e excluídas da esfera pública. No entanto, desde o início do século XX, movimentos feministas emergiram com a intenção de reconstruir o papel da mulher na busca de equidade. Essas iniciativas encontram respaldo na perspectiva do Constitucionalismo achado na rua, que almeja transformar o modelo organizacional do Estado de modo a reconhecer e apoiar as lutas emancipatórias. O processo de conquista do espaço público pelas mulheres perpassa a necessidade de uma maior representatividade no Congresso Nacional, que não reflete apenas uma luta por paridade, mas o reconhecimento histórico de sua subjugação, com reflexo em diversos aspectos da sociedade contemporânea.

Em Insurgência e disputa de narrativas no campo da segurança pública: propostas a partir da experiência maranhense de construção de uma assembleia popular pelo desencarceramento, Cristian de Oliveira Gamba busca descortinar o viés ideológico do populismo penal, ao mesmo tempo em que apresenta os obstáculos e dificuldades para formação de movimentos de resistência que propiciem às condições para pensar uma nova política criminal, tudo isso a partir dos aportes teóricos da criminologia crítica e de O Direito Achado na Rua. Por fim, é apresentado e descrito o desenrolar de uma experiência concreta de insurgência da sociedade civil contra o uso abusivo do sistema penal, em Assembleia Estadual pelo Desencarceramento, ocorrida no Maranhão, cujos trabalhos resultaram na aprovação de parâmetros para o desencarceramento e para o enfrentamento da violência nas prisões.

Em Entregadores de aplicativo e o Constitucionalismo Achado na Rua: uma interpelação à Liberdade Sindical, Paulo Fontes de Resende e Silvia Angélica Tavares Santos trazem apontamentos sobre a forma representativa coletiva da classe trabalhadora pelo sistema corporativista em cotejo com as experiências de paralisação das atividades de entrega por trabalha- dores e trabalhadoras de aplicativo durante a pandemia de Covid-19. O intuito é interpelar a estrutura sindical e o princípio constitucional da Liberdade Sindical, inicialmente com uma breve abordagem histórica atinente à conformação da referida estrutura no Brasil, adiante pondo em destaque as articulações coletivas que emergiram a partir dos trabalhadores e trabalhadoras em tela para, ao fim, entrelaçar tais questões a partir do elo concernente à concepção do Constitucionalismo Achado na Rua, do exercício do direito de greve e da concretização da Liberdade Sindical plena.

Em Entre os escombros do nosso tempo e o Constitucionalismo Achado na Rua, Luiz Felipe de Oliveira Pinheiro Veras tem como objetivo investigar o desenvolvimento, o significado e o alcance do Constitucionalismo Achado na Rua e sua relação com o Estado Democrático de Direito. Examina as construções jurisprudenciais e doutrinárias sobre o tema, pontuando algumas observações e recomendações gerais atinentes a esta novíssima abordagem teórica constitucional. Analisa as contribuições dos demais constitucionalismos, em especial a corrente atrelada ao Direito Achado na Rua e a relação entre constitucionalismo, povo e democracia.

Em Das Manifestações de Junho de 2013 à intentona de 8 de janeiro: breve análise sob a perspectiva d´O Constitucionalismo Achado na Rua, Aderruan Tavares discute como a concepção de um direito emancipatório pode e deve atuar como escudo de proteção contra processos desconstituintes e desestruturantes da sociedade democrática, notadamente, a brasileira. O Constitucionalismo Achado na Rua se apresenta como poderoso arsenal teórico e prático no sentido de compreender, pela via do direito emancipatório, o lapso temporal das Manifestações de Julho de 2013 à Intentona de 8 de Janeiro de 2023. Além de compreender o momento, o Constitucionalismo Achado na Rua possui condições de apresentar um novo projeto de percepção da realidade constitucional que vai além das possibilidades normativas advindas da Constituição de 1988, bem como de enfrentar no plano institucional e social as vozes raivosas de turbas que se apresentam, na esfera pública e nas redes sociais, como se fossem as únicas possibilidades de reprodução do social no campo político.

Em Constitucionalismo Ambiental e Coletividade: Um Estudo sobre a Subjetividade Diante do Colapso, Ricardo Carmo e Débora Donida abordam a conjuntura de colapso ecológico iminente sob a ótica das experiências de constitucionalismo ambiental na América Latina, entendendo em que medida as cosmovisões andinas refletem sobre a ideia de coletividade. Em seguida, transpõem essa conjuntura às subjetividades humanas, refletindo sobre processos sociais e ecológicos que nos demandam a capacidade de reaprender a sofrer. Concluem que, para a inauguração de um novo constitucionalismo “achado na rua”, é preciso, necessariamente, construir subjetividades humanas capazes de se mobilizar diante da perda de forma transformadora, superando a melancolia própria do individualismo para dar lugar ao trabalho de luto em coletivo. Ainda, que o constitucionalismo achado na rua precisa avançar sobre a agenda ambiental e climática para atender às necessidades das populações do Sul Global.

Em A Democracia Achada na Rua: o Orçamento Participativo como uma proposta de discussão popular dos gastos públicos e espaço de fala dos sujeitos coletivos de direito, José Felicio Dutra Júnior registra que há demandas sociais que não podem ser satisfeitas apenas com um modelo de democracia representativa, mas exigem um processo democrático de ampla participação popular. Isto porque se discute a racionalização dos gastos públicos para efetivar direitos que se referem às demandas sociais prestacionais, dentre elas, as previstas no art. 6º da Constituição da República (saúde, educação, habitação, lazer, por exemplo), a superação da crise ético-política do sistema representativo, a superação da miséria, a identificação de novos sujeitos coletivos de direito, dentre outras contingências complexas. Os integrantes da sociedade, neste contexto, além de exercerem o direito de votar e serem votados no sistema eleitoral representativo, também exercem o direito de participar no processo de tomada de decisões, principalmente no destino de verbas públicas nas comunidades locais, destacando-se, portanto, a experiência do Orçamento Participativo (OP).

Na catalogação do Volume 8, uma nota de relevo para a bela capa produzida pela direção de arte da Lumen. Mas o destaque é para a da autoria da fotografia, obtida pelo jovem artista amador Benjamim Fernandes Herszenhut Wiedemann (11 anos). Benjamin é filho de Débora Herszenhut, autora na obra e militante. A foto foi captada no momento da manifestação – Acampamento Terra Livre, quando o artista acompanhava a mãe em seu ativismo social e político.

O Constitucionalismo achado na      rua – uma proposta de decolonização do Direito, que escrevi com minha colega Lívia           Gimenes Dias da Fonseca (Revista Direito e Práxis, Rio  de Janeiro, vol.08, nº. 4, 2017, p. 2882-2902), cf. em https://www.scielo.br/j/rdp/a/nshLTQJxwGHYJVk3Km6453P/?lang=pt&format=pdf. Também, https://pt.wikipedia.org/wiki/Constitucionalismo_achado_na_rua, verbete construído por meus alunos da disciplina Pesquisa Jurídica (Faculdade de Direito da UnB), que na compreensão deles “consiste em construções teóricas e práticas jurídicas resultantes de estudos do Grupo da linha de Pesquisa O Direito Achado na Rua, integrante do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Tem entre seus objetivos conceber condições concretas de garantia e exercício de direitos por sujeitos coletivos, como grupos oprimidos e movimentos sociais. Tal concepção recebe influência da sociedade em diversos aspectos, como das lutas constituintes e da atuação de movimentos sociais, do novo constitucionalismo latino-americano e do pluralismo jurídico”.

Entretanto, para sugerir muitas aproximações, reporto-me à recensão que preparei para a Coluna Lido para Você – https://estadodedireito.com.br/sociologia-do-novo-constitucionalismo-latino-americano-debates-e-desafios-contemporaneos/, quando aludo ter resenhado esse percurso. Claro que em O Direito Achado na Rua: Concepção e Prática, volume 2, cit., no capítulo (Parte IV): O Direito Achado na Rua: Desafios, Tarefas e Perspectivas Atuais, já inscrevemos uma anotação programática nessa direção, ao indicar (p. 224): que “Essas experiências refletem uma espécie de ‘Constitucionalismo Achado na Rua’, em que os atores constituintes, os protagonistas desses processos, que envolveram povos indígenas, feministas, campesinas e campesinos, trabalhadoras e trabalhadores e setores historicamente excluídos, arrancam do processo constitucional novas formas de pluralismo jurídico e conquistas de Direitos”.

Com Gladstone eu também trabalhei o tema, procurando fixar a sua mais precisa enunciação. Assim, em Revista Direito e Práxis, On-line version ISSN 2179-8966 (http://old.scielo.br/scielo.php?pid=S2179-89662017000201008&script=sci_abstract&tlng=pt). LEONEL JUNIOR, Gladstone  and  GERALDO DE SOUSA JUNIOR, José. A luta pela constituinte e a reforma política no Brasil: caminhos para um “constitucionalismo achado na rua”. Rev. Direito Práx. [online]. 2017, vol.8, n.2, pp.1008-1027. ISSN 2179-8966.  https://doi.org/10.12957/dep.2017.22331, valendo o resumo: “A crise política brasileira, evidenciada a partir de junho 2013, enseja novas reflexões para a conjuntura recente. A reforma do sistema político é necessária e um das formas de viabilizá-la é por meio de uma Assembleia Constituinte. Sobretudo, se observado os movimentos político-jurídicos dos últimos 15 anos nos países da América Latina. Cabe refletir sobre o momento e as possibilidades dessa aposta pautando-se em um ‘constitucionalismo achado na rua’”.

Quase que simultaneamente, também com Gladstone publicamos em La Migraña… Revista de Análisis Político, nº 17/2016. Vicepresidencia del Estado Plurinacional de Bolívia: La Paz, o artigo La lucha por la constituyente y reforma del sistema político em Brasil: caminhos hacia um ‘constitucionalismo desde la calle’.

Com essas referências, alcança-se o patamar que, juntamente com Antonio Escrivão Filho (ESCRIVÃO FILHO; SOUSA JUNIOR, 2016), especialmente no Capítulo V – América Latina, desenvolvimento e um Novo Constitucionalismo Achado na Rua, páginas 123-150), enunciamos, vale dizer, que o Constitucionalismo Achado na Rua vem aliar-se à Teoria Constitucional que percorre o caminho de retorno a sua função social. Uma espécie de devolução conceitual para a sociedade, da função constitucional de atribuir o sentido político do Direito, através do reconhecimento teórico-conceitual da luta social como expressão cotidiana da soberania popular. Um reencontro entre a Teoria Constitucional, e o Direito compreendido como a enunciação dos princípios de uma legítima organização social da liberdade (p. 149).

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

 

Insurgencia, Ilegalidad de la Justicia y Liberación

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

INSURGENCIA, ILEGALIDAD DE LA JUSTICIA Y LIBERACIÓN. Miradas cómplices en homenaje a Jesús Antonio de la Torre Rangel. David Sánchez Rubio – Alejandro Rosillo Martínez (Coordinadores). Centro de Estudios Jurídicos y Sociales Mispat Maestría en Derechos Humanos de la Universidad Autónoma de San Luis Potosí Aguascalientes / San Luis Potosí, 2024, 650 p.

 

Começamos o ano de 2024 com essa obra seminal, organizada por David Sánchez Rubio e Alejandro Rosillo Martínez: Insurgencia, ilegalidade de la justicia y liberación, com essa aproximação tão própria dos trabalhos de David, na forma de miradas cómplices, sobre as contribuições críticas à concepção crítica de direito, direito que nasce do povo, de Jesús Antonio de la Torre Rangel. Nessa perspectiva ver, de David Sãnchez – Miradas Críticas en Torno al Derecho y la Lucha Social: Confluencias con América Latina (sobre esse livro: https://estadodedireito.com.br/miradas-criticas-en-torno-al-derecho-y-la-lucha-social-confluencias-con-america-latina/).

Jesús Antonio é um dos grandes, em extração latino-americana, que criaram as bases de um direito insurgente, alternativo, achado na rua, um outro derecho, emancipatório e humanizador, democraticamente emergente, das lutas sociais e dos protagonismos dos sujeitos coletivos de direito.

É um dos grandes ainda ativo e produtivo entre os que pavimentaram o caminho emancipatório, do social que transforma a realidade, fazendo o salto que só a consciência armada criticamente, da história para a política, pela mediação da justiça e do direito.

Outros grandes, que com ele abriram sendas para demarcar esse caminho, já concluíram sua contribuição fundamental: Luis Alberto Warat, Oscar Correas, Roberto Lyra Filho, Carlos Maria Cárcova, Roberto Armando Ramos de Aguiar. A eles podemos acrescentar Enrique Dussel e Franz Himkelammert (Filosofia e Teologia), Miguel Pressburger e Miguel Baldez, na advocacia popular. Estou citando os que me são mais próximos, não o elenco completo.

Nem outros potentes formuladores, na teoria e na práxis, entre os quais a influência de Jesus Antonio é marcante. Vários deles estão no sumário desta obra. E claro que também não convoco os não latino-americanos, interlocutores íntimos do pensar e agir de no pensar do nosso homenageado: Joaquín Herrera Flores e Boaventura de Sousa Santos.

Vou ao Sumário da Obra para que se visualize esse tremendo plantel:

Prólogo, David Sánchez Rubio

Prefacio, Alejandro Rosillo Martínez

ANÁLISIS GENERAL Y GLOBAL DEL PENSAMIENTO DE JESÚS ANTONIO DE LA TORRE RANGEL

El derecho pensado desde la exterioridad: el Iusnaturalismo. Histórico Analógico como fundamento del derecho en general y los derechos humanos en particular. Un análisis al pensamiento iusfilosófico de Jesús Antonio de la Torre Rangel, César Eder Alanís de la Vega

Jesús Antonio de la Torre Rangel y el Iusnaturalismo histórico analógico. Su diálogo con la hermenéutica analógica, Mauricio Beuchot Puente

O direito desde os pobres da terra: emancipação e insurgência em Jesus António de la Torre Rangel, Ivone Fernandes Morcilo Lixa

O pensamento jurídico insurgente de Jesus António de la Torre  Rangel: fundamentado na perspectiva crítica da libertação, Lucas Machado Fagundes

Direitos humanos e jusnaturalismo histórico analógico: um diálogo com o pensamento de Jesús Antonio de la Torre Rangel, José Carlos Moreira Da Silva Filho

El Iusnaturalismo Histórico Analógico como Filosofía crítica del Derecho y los derechos humanos, Alejandro Rosillo Martínez

Iusnaturalismo histórico analógico. Un paradigma jurídico en la periferia: agradecimento de sus aportes y posibilidades de evolución, Antonio Salamanca Serrano

Sobre pensamiento de Jesús Antonio de la Torre Rangel. El derecho que nace del pueblo (como derecho insurgente), David Sánchez Rubio

ANÁLISIS DEL PENSAMIENTO DE JESÚS ANTONIO DE LA TORRE RANGEL PROYECTADA SOBRE CASOS, TEMAS O EJEMPLOS CONCRETOS

El pueblo pariendo al derecho. Acercamientos entre  el iusnaturalismo histórico analógico y las teorias de los movimientos sociales, Andrés Alcalá Rodríguez

Educación y asesoría jurídica popular como presupuesto  del derecho insurgente, Oscar Arnulfo de la Torre de Lara

Defensoria pública: um direito que nasce do povo, Caio Jesús Granduque José

El litigio estratégico en defensa de los derechos humanos  como expresión del derecho insurgente. una aproximación general, María del Carmen Herrera García

A través de una conversación imaginaria. Un reencuentro con Jesús Antonio de la Torre Rangel, Manuel Jacques Parraguez

La aportación de Jesús Antonio de la Torre Rangel al movimiento latinoamericano de derecho y literatura, Manuel de J. Jiménez Moreno

Jesús en el Tawantinsuyo. Brujas, vírgenes y conversaciones con Jesús Antonio de la Torre Rangel, Alejandro Medici

Acercamientos al derecho que nace y camina con el Pueblo, Lizy Peralta Mercado

MIRADAS CRÍTICAS Y CONSTRUCTIVAS SOBRE EL PENSAMIENTO DE JESÚS ANTONIO DE LA TORRE RANGEL

Liberaciones y nudos. A propósito de la teoría jurídica de Jesús de la Torre Rangel, Rodrigo Calderón Astete

Sobre la presentación de las teorías marxistas del derecho por parte de Jesús Antonio de la Torre Rangel, Raymundo Espinoza Hernández

Avances es para impulsar la Tradición iberoamericana de derechos humanos en el Estado de Jalisco: reconocimiento a Jesús Antonio de la Torre Rangel, Oscar González Gari

Afinidades relativas: a tensão insurgente entre de la Torre Rangel e a crítica marxista ao direito, Ricardo Prestes Pazello

SEMBLANZA SOBRE LA OBRA DE JESÚS ANTONIO DE LA TORRE RANGEL

Hacia una concepción liberadora y popular del derecho  en América Latina: el aporte de Jesús Antonio de la Torre Rangel, Antonio Carlos Wolkmer

TRABAJOS GENÉRICOS EN HONOR A LA OBRA DE JESÚS ANTONIO DE LA TORRE RANGEL

Defensoria pública: a proteção do um contra todos, Amilton Bueno de Carvalho

Uso alternativo del derecho y defensa del territorio en San Luis Potosí, Guillermo Luévano Bustamante

Proceso penal, prueba y el derecho de la víctima a tener derechos, José Luis Eloy Morales Brand

Cultura de litígio, formação jurídica e função social dos operadores de direito no Brasil: tributo a Jesús Antonio de la Torre Rangel, José Geraldo Sousa Júnior

Sobre los autores

E logo transcrevo o Prólogo, escrito por David Sánchez Rubio em dezembro de 2023, como uma amostra descritivo/explicativa do que representa esse livro:

La idea de hacer un libro en homenaje a nuestro querido y admirado Jesús Antonio de la Torre Rangel, referente de la teoría crítica del derecho en América Latina desde hace muchos años, empezó a gestarse entre los años 2015 y 2016. Le propuse a Alejandro Rosillo tramitar su edición incorporando textos de autores que, consideramos, conocían la obra del iusfilósofo, abogado e historiador del derecho aguascalentense. El dilema se nos presentó cuando dudamos si la edición del libro debía ser toda en castellano, o si también era posible incluir trabajos en portugués, para que fuera más representativa de la cultura latinoamericana. El problema de la segunda opción era que debíamos buscar el modo de traducir los aportes escritos en la lengua lusitana y procedentes de Brasil. Eso paró la iniciativa, retrasándola, pues no disponíamos ni de tiempo ni de personal para hacerlo. En aquel momento, recibimos los trabajos en portugués del juez gaúcho Amilton Bueno de Carvalho, el sociólogo del derecho José Geraldo de Sousa Júnior y del defensor público francano Caio Jesús Granduque José, junto con unos pocos textos escritos en castellano. Lamentablemente han estado ahí parados y se han quedado esperando hasta que, por fin y afortunadamente, sale a la luz el libro que fue interrumpido y recuperado. El año pasado, en el 2022, volví a plantearle a Alejandro Rosillo que retomáramos su publicación, teniendo claro que estaria formada por aportaciones escritas tanto en castellano como en portugués, sin necesidad de traducir nada. Y he aquí el resultado de este libro que prologo.

Confieso la enorme alegría que nos causó la respuesta recibida y la gran disposición de tod@s l@s autor@s que aparecen en esta maravillosa obra. El resultado refleja muy bien cuál era el propósito de este homenaje y que se debe a muchas razones. No somos muy partidario de hacer este tipo de trabajo post mortem, pues pensamos que el reconocimiento de la valía, la trayectoria, los aportes y los méritos personales y/o profesionales de una persona a la que se aprecia y admira, debe hacerse en vida, sin que ello impida el recuerdo y la presencia que deja entre quienes quieren homenajear y tener presente a quien fallece, pese a su ausencia que se hace presente. Nuestra idea ha sido la de querer mostrar la admiración, el cariño, el respeto, el agradecimiento y el reconocimiento a una persona que es pura coherencia entre lo que dice y lo que hace, ejemplo de vida para muchos y fuente inspiradora de lucha por la justicia social y de tod@s, tanto desde la razón, por todos sus aportes teóricas y reflexiones, como desde el corazón por su intensidad ética y su compromiso por el ser humano.

Algunas de las personas invitadas, por distintas razones más que justificadas, terminaron por no enviar texto alguno. Son los casos de David Velasco Yáñez (triste y recientemente fallecido), Carlos Frederico Marés y Jacques Távora Alfonsin, entre otros. No obstante, sabemos que sus espíritus y sus mentes están en sintonía y empatía con el autor y con esta obra.

Las condiciones para participar y contribuir en el libro eran particulares y específicas. Decidimos que los trabajos tenían que ser realizados con aportaciones que, expresamente, dialogaran, analizaran, discutieran, utilizaran, resignificaran y desarrollaran los conceptos, las ideas, las prácticas y los marcos categoriales del pensamiento de Jesús Antonio de la Torre Rangel, no valiendo artículos sobre temas que no tuvieran nada que ver con la obra de nuestro querido iusfilósofo aguascalentense. No queríamos un homenaje en el que cada cual envía lo que estima oportuno y está investigando sin guardar relación con lo pensado por el homenajeado, hecho que sucede en muchas ocasiones. En este caso, en principio, no aceptábamos aportes que no entraran de lleno y con evidente conocimiento en el contenido de la prolija obra de Jesús Antonio de la Torre Rangel.

Tanto Alejandro Rosillo como yo nos hemos encargado de dictaminar la pertinencia o no de los trabajos enviados, siguiendo uma serie de criterios. Para concretizar y definir los contenidos de las contribuciones, se debían tratar algunas de las líneas temáticas que a continuación se especifican y que sintetizan muy bien los aportes más significativos del pensamiento del homenajeado, las cuales podían combinarse entre sí. Son seis:

  1. El pensamiento iusfilosófico y iusteológico de Jesús Antonio de la Torre Rangel
  2. Su iusnaturalismo histórico analógico
  3. La tradición iberoamericana de derechos humanos
  4. Pluralismo jurídico y derecho insurgente que nace del pueblo
  5. Educación y asesoría jurídico-popular
  6. Cualquier semblanza sobre el autor de carácter personal

El resultado es el que tienen entre sus manos y a la vista. Casi todos los trabajos cumplen con el desarrollo de alguno de los puntos señalados, ensalzando, alabando, dialogando, cuestionando y criticando constructivamente algún elemento de su obra, que, como ya he dicho, es ejemplo de vida y en vida por su verdadero y humilde compromiso y por su riqueza teórico-práctica en la defensa de los colectivos más oprimidos y vulnerados, no solo de México, sino de toda

América Latina y de toda la Humanidad. Las excepciones son cuatro. Dos porque se entregaron en el año 2016 y no se les puso ninguna de las condiciones que hemos puesto en esta edición: el trabajo de Amilton Bueno de Carvalho, quien conecta la obra de Jesús Antonio, como pretexto, con la Defensoría Pública con reflexiones sobre el pensamiento de Nietzsche, y el artículo entregado por José Geraldo de Sousa Júnior quien se centra más en la formación jurídica y la función social de los operadores jurídicos desde miradas críticas com el pensamiento de Roberto Lyra Filho y el Direito achado na rua como trasfondo. Los otros dos los menciono más abajo.

La estructura del libro que hemos establecido, pese a la dificultad de organizarlos por núcleos temáticos dada la diversidad de aportes, no ha sido la más fácil. Son cinco bloques temáticos: a) uno dedicado a la totalidad del pensamiento de Jesús Antonio de la Torre, con mayor o menor detención en alguno de sus marcos categoriales; b) un segundo bloque en el que, además de referencias generales a su obra, se proyecta sobre casos concretos y ejemplos particularizados; c) un tercer bloque de autores que ensalzando al autor, cuestionan y critican algunos de sus conceptos y métodos de análisis, siempre con la intención de abrir caminos y nuevos horizontes; d) un trabajo de semblanza y alabanza personal y profesional del iusfilósofo de Aguascalientes; y e) finalmente, el libro cierra con aquellos trabajos que homenajean al autor pero sin entrar en profundidad en su pensamiento. Cada bloque está ordenado por orden alfabético independientemente del tema tratado.

  1. a) En este primer bloque nos encontramos con autores que han entrado a destacar con análisis generales y profundos, los méritos y los logros del pensamiento del autor homenajeado relacionados com el iusnaturalismo histórico analógico, el pensamiento de liberación (teológico y filosófico principalmente) y su proyección jurídica, la hermenéutica analógica, el personalismo y la raíz del cristianismo primitivo u originario, como sucede con Ivone Morcilho Lixo, Antonio Salamanca, Alejandro Rosillo, César Eder Alanís de la Vega, Lucas Machado, José Carlos Moreira Da Silva Filho, David Sánchez Rubio y Mauricio Beuchot. Todos subrayan el paradigma jurídico crítico y de liberación que representa el pensamiento del autor desde la periferia.
  2. b) En el segundo bloque, que es el más denso, hay que subrayar de qué manera hay autores que se han centrado en ensalzar la obra de Jesús Antonio de la Torre Rangel, relacionándola con un caso particular que se toma como ejemplo y proyección. Esto sucede con Oscar de la Torre en materia de educación y asesoría jurídica popular, destacando la combinación del positivismo de combate, el uso alternativo del derecho y el derecho insurgente como expresión de uma juridicidad en disputa y compleja producida por los pobres; también con Carmen Herrera como abogada defensora de derechos humanos, quien se detiene en determinados litigios estratégicos que son expresión de violaciones de derechos humanos y la capacidad de resistencia de los movimientos populares, pobres y oprimidos que interactúan con los abogados para producir una juridicidad compleja que combina el positivismo de combate y el derecho insurgente; asimismo, Manuel Jacques dialoga y conversa imaginariamente entre el pensamiento de Jesús Antonio de la Torre y su proyección con el processo constituyente chileno subrayando la importancia de los derechos ancestrales de los pueblos indígenas, el pluralismo jurídico, la legalidade de la injusticia y la disidencia de los oprimidos frente a un sistema injusto; también Caio Jesús Granduque José vincula el pensamiento de Jesús Antonio de la Torre Rangel, al que lo considera brújula ética y jurídica en América Latina, con la labor de acceso a la justicia realizada entre la Defensoría Pública brasileña y los colectivos más vulnerables; Lizy Peralta señala los aportes que sobre el derecho que nace del pueblo en las comunicades campesinas e indígenas mayas em relación a sus derechos verdaderos de acceso y gestión del agua, la tierra y la soberanía alimentaria frente a la agroindustria; y, finalmente; asimismo Alejandro Medici realiza una conexión entre el pensamiento complejo de Joaquín Herrera y el iusnaturalismo analógico de

Jesús Antonio de la Torre Rangel, deteniéndose en el contexto de la zona del Gran Tucumán colonial en el Virreynato del Perú, relacionado con las luchas y resistencias de las hechiceras ante el perverso tratamiento inquisitorial de las mujeres descalificadas como brujas y vírgenes. Ahí expone el desarrollo de un uso alternativo y un derecho insurgente frente al patriarcado colonial y se detiene en el caso concreto de la india Juana Berraza.

Asimismo, con Raymundo Espinoza Hernández hay un reconocimiento del paradigma crítico anticapitalista del pensamiento jurídico de Jesús Antonio de la Torre y su labor a la hora de difundir la heterogeneidad de las teorías críticas del derecho marxistas y su valor para la teoría crítica del derecho en general; Andrés Alcalá, conecta el pensamiento iusnaturalista analógico de Jesús Antonio de la Torre con la lucha y la cultura política de los movimientos sociales y su proyección sobre la creación en Chile de una nueva Constitución; finalmente, de una manera original y creativa, Manuel de J. Jiménez, relaciona el perfil novelístico de nuestro autor aguascalentense con el mundo de la literatura, principalmente latinoamericana y su relación con el mundo jurídico desde su uso, su teoría y su historia. En concreto, Manuel Jiménez se detiene en las reflexiones de Jesús Antonio de la Torre Rangel sobre algunas de las novelas de Manuel Scorza y el libro de Roa Bastos Yo el Supremo.

  1. c) En el tercer bloque, nos encontramos con autores que dialogan con el pensamiento de Jesús Antonio de la Torre Rangel, desde una crítica siempre constructiva. Resulta de especial originalidad la comparación y contrastación complementaria que Ricardo Prestes Pazello realiza desde el pensamiento marxista. Señala sus afinidades y sus discrepancias, profundizando en el concepto de derecho insurgente, la educación y la asesoría popular y la reapropiación del poder normativo por parte del pueblo; por otra parte, Oscar González Gari centra su cuestionamiento en su defensa, no admitida por el iusfilósofo e historiador del derecho aguascalenteño, de considerar al Papa Benedicto XIII (Papa Luna) dentro de la tradición iberoamericana de derechos humanos y el relato de distintas experiencias conjuntas com Jesús Antonio de la Torre Rangel a partir del primer encuentro en la pastoral indígena de la Diócesis de San Cristóbal de Las Casas; finalmente, Rodrigo Calderón Astete lo hace también, ensalzando algunos de los aportes del iusfilósofo aguascalentense e incluso viendo em él una especie de cristología jurídica, pero cuestionando su iusnaturalismo analógico desde un enfoque de teoría del derecho, metodologia jurídica y socio-materialismo.
  2. d) Este cuarto bloque solo está compuesto por un trabajo, em el que se expone una semblanza sobre el autor y su pensamiento, de carácter personal, emotivo, sincero y de reconocimiento fraterno. Lo realiza Antonio Carlos Wolkmer, sin que ello impida que también casi todos los demás autores lo ensalcen puntualmente.
  3. e) El último bloque está conformado por trabajos de quienes generosamente han querido participar de este homenaje, enviando trabajos que no entran de manera directa y profunda en el pensamiento de Jesús Antonio de la Torre Rangel. Además de los textos de Amilton Bueno de Carvalho y de José Geraldo de Sousa ya mencionados, tenemos las contribuciones de José Luis Eloy Morales y Guillermo Luévano. El primero centrado en el derecho a tener derechos de las víctimas dentro del proceso penal junto con la prueba, además de la posible conexión entre garantismo jurídico y uso alternativo del derecho- El segundo hace una exposición de tres conflictos socioambientales en San Luis Potosí y señala la influencia del uso alternativo del derecho de Jesús Antonio de la Torre en la Clínica Jurídica de la UASLP.

Para terminar, quisiera expresar la emoción que me produce contribuir, junto con mi querido amigo Alejandro Rosillo, para posibilitar que salga a la luz y tenerla en mis manos una obra tan merecida y necesaria, latinoamericano-centrada pero también ecuménica, dedicada a una persona cuyo corazón y cuya razón nos inspira y orienta a quienes tenemos claro, como el mismo autor aguascalentense, que apostar y amar a la Humanidad siempre situada, historizada y no abstracta, implica un pleno compromiso por la lucha de la dignidad y de los derechos de todo ser humano, corporal, concreto, con nombre y apellidos. El papel que en ello juegan las víctimas de un sistema capitalista y de una modernidad que, en sus oscuridades, mata y que utiliza las normas jurídicas para generar injusticias, es manifiesto y resulta central. Que salga en la editorial de la Maestría en Derechos Humanos de la UASLP, tan bien mediada y gestionada por Alejandro Rosillo, en coedición con el Centro de Estudios Jurídicos y Sociales Mispat, tiene una gran simbología. Le agradezco a él y a todo su equipo de edición y revisión de los textos, el dificultoso y complicado trabajo realizado. Pero creo y estoy convencido, que valió la pena.

 

Em seu prefácio, Alejandro Rosillo Martínez, muito próximo do homenageado e autor de ensaios de apresentação de vários de seus livros, atribui mais subjetividade a sua abordagem, talvez por essa proximidade, mas oferece uma nota de caracterização dos estudos jurídicos na América Latina, na vertente crítica que sustenta o trabalho de Jesus Antonio, o que pode representar uma chave de leitura dos trabalhos reunidos nessas miradas:

Si algo caracteriza a los estudios jurídicos en América Latina es que, por la fuerte influencia del positivismo, son profundamente formales y poco reflexivos: entender los conceptos jurídicos fundamentales –sin mayor cuestionamiento, como algo ya dado de por símemorizar textos normativos y aprender procedimientos, es como se podría sintetizar la enseñanza jurídica. Las pocas asignaturas que pueden ir más allá de esto, como historia, sociología o filosofía del derecho, suelen también estar sometidas a esa visión positivista o a una enseñanza bancaria poco estimulante. Algo así, con pocas excepciones, fue mi experiencia como estudiante de Derecho.

En este tipo de educación jurídica, uno encuentra poca conexión con la realidad social, pues la referencia dominante son los procedimientos y las decisiones de las instituciones. La reducción del derecho a la ley, de los poderes al poder del Estado, de las relaciones sociales a la relación jurídica, del pensamiento a los tecnicismos jurídicos, y la verificación de que es una constante la legalización de la injusticia, provoca que cualquier persona con un mínimo de sensibilidad social y pensamiento crítico, se sienta desolada al cursar una disciplina así de empobrecida.

Tal como Rosillo, também me vejo envolvido subjetivamente pela convocatória de engajamento a um pensamento que milite. Este é um pensamento que argumenta que a lei nasce do povo. Jesús Antonio de la Torre Rangel, numa série de obras que trabalha a consideração de que o Direito nasce do povo.

A convite de Jesus Antonio preparei um prólogo que abre a edição de sua mais recente obra em sequência a esse tema: El Derecho Que Nace Del Pueblo Como Derecho Insurgente (https://estadodedireito.com.br/el-derecho-que-nace-del-pueblo-como-derecho-insurgente/).

Na articulação dos fundamentos do pluralismo e da insurgência enquanto filosofia e teoria do Direito que nasce do povo, assertivamente, “uma nova teoria do Direito”, desde 1986, com El Derecho que nasce del pueblo, depois, em 2012, com El Derecho que sigue nascendo del pueblo. Movimientos sociales y pluralismo jurídico; e agora. 2022, com El Derecho que Nasce del Pueblo como Derecho Insurgente, de la Torre Rangel percorre um caminho disciplinado, imaginativo e criativo que consolida uma referência para o campo.

Uma mais estendida e circunstanciada aproximação entre O Direito Achado na Rua e o Direito Insurgente, foi apresentada pelo professor De la Torre Rangel, durante o Seminário Internacional O Direito como Liberdade 30 Anos do Projeto O Direito Achado na Rua, em sua contundente comunicação Constitucionalismo Achado na Rua em México: de los acuerdos de San Andrés al concejo indígena de gobierno.

Para a vertente crítica que pensa o Direito como emancipação e o compreende como criação do social, a hipótese do pluralismo jurídico e a condição da insurgência, são critérios constitutivos do campo, das referências possíveis de teorias de sociedade e de justiça, e de qualquer consideração que se elabore sobre o tema. É nesse ponto que a insurgência, como direito que nasce do povo se encontra com a juridicidade achada na rua, abrindo miradas críticas para a emancipação.

Em outubro de 2022 o Diretório Acadêmico XXI de Abril finalmente conseguiu realizar a XXVII Jornada Jurídica após impossibilidades motivadas pela pandemia de Covid-19 nos dois anos anteriores. Juntamente às Jornadas, ocorreu também o IV Simpósio de Pesquisa em Direito da Universidade Federal de Uberlândia, uma derivação do programa político-epistemológico conduzido pelo Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados – LAECC  – http://laecc.org.br/conselho-editorial. O LAECC procura aprofundar as discussões temáticas comparativas entre os vários sistemas constitucionais americanos. O grupo desenvolve abordagens comparativas em 4 diferentes linhas, procurando cobrir todas as dimensões materiais do constitucionalismo e fomentar a produção científica nos diversos ramos do direito e das ciências sociais, sempre primando pela abordagem de abrangência interdisciplinar.

O Sumário da Obra é extenso e casuístico. Compreende o conjunto das exposições dos convidados palestrantes e dos organizadores e o conjunto de textos dos participantes dos Grupos de Trabalho.

Do Sumário, reproduzo os títulos gerais dos artigos dos palestrantes, sem seus desdobramentos nos itens analíticos:

APRESENTAÇÃO

SOBRE OS PALESTRANTES E ORGANIZADORES

TEXTOS DOS PALESTRANTES

1.1       DIREITO  ̶  UM CAMINHO E UM OBSTÁCULO PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL, Debora Regina Pastana

1.2       DO HOMO FABER AO HOMO TRANSHUMANUS: A SAGA HUMANA RUMO  À CIVILIZAÇÃO DA TÉCNICA, Mariah Brochado

1.3       MATRIZES HISTÓRICAS DOS DIREITOS HUMANOS E A TRADUÇÃO JURÍDICA DAS LUTAS SOCIAS, Antonio Escrivão Filho, José Geraldo de Sousa Júnior,  Rodrigo Camargo Barbosa

1.4 UTOPIA S/A: NEOLIBERALISMO E COMODITIZAÇÃO DO FUTURO,  Philippe de Almeida (UFRJ)

O Sumário ainda expõe os Textos dos 4 Grupos de Trabalho.

Em seu desenho completo a obra reflete, assim se pode constatar do Prefácio (um recorte de seu próprio texto exposto na abertura da Jornada), um enunciado conteudístico, metodológico, descritivo e em boa medida emotivo, de todo o processo que culminou no livro, na elaboração que lhe imprimiu a professora Debora Regina Pastana (Doutora e Mestra em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Graduada em Direito pela UNESP. Professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia (2009) e coordenadora do grupo de estudos sobre violência e controle social (GEVICO). Professora permanente do Programa de Pós Graduação em Direito Público da UFU), da Comissão Científica da Jornada e autora do Prefácio da obra.

Do Prefácio retiro:

Certamente, toda a comunidade UFU estava ansiosa pela realização da Jornada Jurídica que não apenas já é tradicional na instituição, como muito profícua no que se refere às discussões no âmbito do Direito e, mesmo, interdisciplinares. O título, “Direito: caminho ou obstáculo para a transformação social”, já adiantava a qualidade dos debates que aconteceriam. Contudo, o que presenciamos nesse evento tão pungente foi um turbilhão de emoções permeado por produção e divulgação de conhecimento científico de altíssimo comprometimento político. Na abertura do evento uma comovente recepção visual por meio de um lindo mural trazendo trechos de músicas de Chico Buarque que reproduzo no início deste texto. Aquelas eram músicas de protesto produzidas no auge da ditadura civil-militar da qual saímos formalmente em 1988. Os trechos ali posicionados novamente nos convidavam a refletir sobre o momento político que estávamos vivenciando. Também eram convites para produzirmos coletivamente uma ação questionadora e transformadora da nossa realidade político-social. Como sinalizava outro trecho de música do mural, agora de Belchior (Como nossos pais), era possível “ver vindo no vento um cheiro de novas estação”.

De fato, 2022 não foi apenas um ano eleitoral marcado pela possibilidade de mudança no governo federal. Esse ano foi o marco limite para nossa tolerância a todo tipo de perversidade associada à governança do país. Estávamos fartos (as/es) e exaustos (as/es) diante de tanta atrocidade institucional. Aquele mural era também um desabafo, um grito de basta, uma certeza de que uma nova atmosfera estava por se concretizar. Ali, impactada pelos trechos, chorei e percebi logo que não seria um evento qualquer. Para completar minha emoção, fui também convidada a proferir a palestra de encerramento desta Jornada; responsabilidade que comprimiu meu coração a quase não suportar tanto contentamento. 

Nos demais dias o que se viu foi entusiasmo e força. Auditórios lotados, ouvintes ávidos (as/es), palestrantes emocionados (as/es). Marcelo Semer abriu o evento discutindo os paradoxos da Justiça. Falou do Judiciário e sua relação com a política brasileira, sinalizando que esse poder contribuiu para a construção da grave situação política atual, marcada pelo enfraquecimento da democracia. Antonio Escrivão nos alertou para a importância do Direito achado na rua. O Direito contra hegemônico oriundo das classes populares que muitas vezes substitui o Estado em sua completa ausência, traduzindo juridicamente verdadeiras lutas sociais. Mariah Brochado trouxe para o debate o Cyberdireito, fruto do advento da revolução tecnológica que passou ser recorrente também no cotidiano jurídico, além dos novos desafios ético-jurídicos do século XXI decorrentes desse processo. Rafael Mafei trouxe a questão: Como punir um expresidente? Dizia ele, naquele momento, que punir Jair Bolsonaro pelos seus crimes seria nossa última chance de poder dizer, sem cinismo, que as instituições ainda funcionam no país. Philippe Oliveira de Almeida trouxe a importância das teorias críticas para nos devolver a consciência de que somos sujeitos históricos capazes de intervir nos rumos da nossa história política. Isso não é uma utopia! Eu, por fim, muito emocionada por finalizar o evento, me atrevi a dizer que o título do evento era uma falsa contradição. O Direito pode sim ser ambas as coisas, vale dizer, caminho e obstáculo para a transformação social. Estava ali defendendo um outro ativismo jurídico, diferente daquele que já conhecemos, que costuma interferir na política para derrubar governos legítimos e manter interesses escusos. Na contracorrente defendi um ativismo voltado para a defesa dos vulneráveis e para a emancipação social. Sabemos que o campo jurídico não é neutro, então vamos lutar pelo Direito contra hegemônico! Eu estava feliz em perceber que pelo menos naquele auditório o Direito que prevalecia era o transformador. Senti isso como uma vitória pessoal. Sim, sou uma subversiva que quer continuamente derrubar o Direito que oprime e subjuga. Esse é o meu compromisso científico.

Em suma, trata-se de obra da melhor qualidade destinada a quem se interessa pela Ciência do Direito que não se deixa resumir pelo positivismo raso traduzido em descompromisso político e reificação da norma jurídica.  

Prefaciar esta maravilhosa contribuição à Ciência do Direito, que serve de caminho para a justa transformação social, é um privilégio que me deixa profundamente agradecida e extremamente honrada e que me foi dado, creio, pelo afeto generoso do querido corpo discente da FADIR. 

 

Me fiz presente na obra com meus colegas co-autores Antonio Escrivão Filho e Rodrigo Camargo Barbosa. Sendo que Escrivão nos representou presencialmente no evento, compondo a mesa inaugural.

Desdobrado do enunciado do artigo, tal como aparece no Sumário, o nosso texto se desenvolve conforme os seguintes marcadores:

PROLEGÔMENOS

1.3.1 A RELAÇÃO ENTRE POLÍTICA E O DIREITO

1.3.2    COTIDIANO DA HISTÓRIA E A HISTÓRIA DO COTIDIANO

1.3.3    UMA MATRIZ LIBERAL

1.3.4    UMA MATRIZ INTERSECCIONAL

1.3.5 UMA MATRIZ DECOLONIAL

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Aqui e agora, do texto, dois recortes ao seu final. Um, que antecipa uma questão que ganhou ressonância nos dias correntes, depois de uma manifestação do Presidente Lula, pondo em causa de precedência o sentido mobilizador das lutas políticas para a emancipação.

Em nosso texto, as linhas que desdobramos, seguiam uma proposta de diálogo acerca da perspectiva crítica dos direitos humanos na contemporaneidade e o modo através da qual tal abordagem parece ser elaborada e explicitada sob as lentes analíticas de O Direito Achado na Rua. Reproduzo aqui a parte do texto, e nessa parte, a tessitura que lhe atribuiu Antonio Escrivão Filho, tal como a seguir.

Para isso, dizemos, ou antes, diz Escrivão, seria interessante organizar uma estrutura, fixar um objetivo e saber por onde vamos caminhar. Ao que tudo indica, o debate sobre direitos humanos na perspectiva crítica tem se colocado, pelo menos nos últimas 15 anos e em meio a diversas correntes e tendências, em uma busca para enxergar os direitos humanos através de uma lente do reposicionamento da relação entre política e direito.

Essa parece então ser uma boa plataforma para pensar este debate, utilizando-a como uma lente que vai conferir mais nitidez ao fenômeno dos direitos humanos na história, no cotidiano e na realidade social. Mas afinal de contas, o que são os direitos humanos? Ao ressoar a questão, a sensação é quase inevitável: “eu sei o que são, mas quando me perguntam não consigo responder”. Por isso vamos cogitar aqui de algumas lentes que nos ajudem a conferir nitidez, algum delineamento, projeção da profundidade e coloração deste fenômeno a fim de que, quem sabe, um dia consigamos chegar até a resposta.

Vamos partir então desta plataforma analítica do reposicionamento da relação entre política e direito, que parece um bom caminho, para chegar até uma identificação sobre a relação entre o lócus – o tempo-espaço – e os sujeitos dessa relação. Em um terceiro momento, vamos cogitar sobre a história que nos trouxe até aqui, ao menos na trilha ontológica desse fenômeno, mais interessados nos processos sociais que nas ideias que lhes conferiram iluminação histórica, um pouco na linha das perguntas brechtianas de um trabalhador que lê, e à melhor maneira da teoria kosikiana, quando alerta: “a filosofia não se realiza, é o real que filosofa” (KOSÍK, Karel. Dialética do concreto. Trad. Cália Neves e Alderico Tobírio. 7ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002).

De fato, é sempre a partir desta perspectiva, ou seja, a partir do modo como a realidade se desenvolve e revela as ideias que estão percorrendo os meandros e nosso cotidiano, que nos orientamos neste debate.

Por essa razão, o ´tem necessário sobre a relação entre política e o direito. O desafio de encarar os direitos humanos desde uma perspectiva crítica tem reivindicado esse paradigma da necessidade do reposicionamento sobre a relação entre política e direito, a fim de repensar a tradicional e clássica abordagem que sugere um abismo entre a política e o direito, buscando separar, depurar e purificar o direito, sua teoria, e não raro – mais para os desavisados que para os seus formuladores – a sua prática.

Isso porque Kelsen (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000), e alguns autores alinhados à sua concepção não cogitaram de uma teoria pura da prática do direito, ou seja, da Justiça. Sua proposta se orientava por uma teoria pura da ciência do direito. No entanto, ao ser mal-entendida e aplicada, não raro decisões judiciais acabam reivindicando uma pretensa depuração do direito para proferi-las sob um argumento de neutralidade que, por seu turno, se presta apenas a conferir verniz técnicojurídico às suas convicções, valores e não raro interesses em meio aos conflitos de elevada intensidade política, econômica e social que, se de um lado vem a cada dia gritando socorro no ambiente das estreitas raias judicias, de outro nos interpelam a todas/os e a cada um nas nossas expectativas sobre o modelo e o projeto de sociedade. Nada indica que embaixo de uma toga o sangue corra em sentido diferente.

Não parece ser desnecessário cogitar da inserção social e política dos agentes da justiça, porque estamos tratando, justamente, da função judicial  que é uma das funções políticas do Estado moderno. Temos a função legislativa, a função executiva e a função judicial. A organização dos Poderes do Estado e da autoridade, nesse modelo adotado, insere a função judicial neste lugar de organização da sociedade e é uma função política e bastante poderosa, porque ela tem o poder de decidir quem tem direito na nossa sociedade em determinadas situações e vamos observando nas últimas décadas que esse poder vem se expandindo.

Então é preciso encontrar e trazer essa plataforma analítica da relação entre política e direito para entender melhor o fenômeno que vem ganhando espaço, presença dilemática na sociedade brasileira – a expansão judicial – que significa, em si, uma expansão política da Justiça (ESCRIVÃO FILHO, Antonio; SOUSA JÚNIOR, José Geraldo. Para um debate teóricoconceitual e político sobre os direitos humanos. Belo Horizonte: D‟Plácido, 2016).

Vale notar que o poder de dizer o direito e prestar a justiça consiste em uma função estatal delegada pela sociedade, equação política esquecida mas lapidada nos exatos termos da inscrição da soberania popular no art. 1º, parágrafo único, da Constituição Cidadã, já que a princípio somos nós quem dizemos para a autoridade, através da lei, o que ela pode e deve fazer no exercício da jurisdição.

Essa, então, poderia ser reconhecida como uma terceira matriz dos direitos humanos, a matriz interseccional. Os sujeitos no século XX conformaram novos modelos de relação de poder na sociedade e na relação com o Estado. Na sua compreensão sobre as contradições da vida, da identificação com outros sujeitos que experimentam a mesma experiência e do desenvolvimento da solidariedade. Estamos tratando, com isso, de paradigmas advindos da teoria dos movimentos sociais, e da ideia do repertório desenvolvido pelo movimento social antes sindical, e agora feminista e negro, qual seja, a ideia de participação política que não é mais no Parlamento, é na rua, desafiando o poder em outras instâncias e esferas da sociedade.

Como a esta já se constitui algo notório, a noção de interseccionalidade nos termos formulados por Kimberlé Crenshaw (CRENSHAW, Kimberle. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum: Vol. 1989: Iss. 1, Article 8. Disponível em: http://chicagounbound.uchicago.edu/uclf/vol1989/iss1/8 . Acesso em: 25-07-2017) se projeta como uma interessante e potente plataforma analítica que enxerga as relações sociais – em especial desde o ponto de vistas das relações de poder desafiadas no cotidiano dos direitos humanos – a partir da conjunção de diferentes vetores de dominação e exploração que, pese apontarem em sentidos distintos (no que se refere à especificidade das relações sociais onde incidem), se encontram em um ponto de intersecção que é cotidianamente experimentado por grande parcela da população.

Nesta intersecção, portanto, diríamos que se encontram de modo estrutural os vetores de classe, raça e gênero, projetando experiências cotidianas que somente encontrarão a emancipação de seus sujeitos e portanto da própria sociedade na medida em que todas as três dimensões forem enfrentadas.

Daí que a chave de abóboda do texto tenha sido a designação de o configurar seguindo uma matriz decolonial.

De fato, estes são elementos importantes para se ter em mente e, dando um salto avançado, essas reivindicações foram também se espraiando e contagiando outros campos da sociedade. Podemos encontrar, como exemplo, o movimento camponês no Brasil, que a partir de uma expertise organizativa do movimento sindical e partidos políticos junto com a Igreja, organiza o campesinato na década de 50, voltando a se recompor ao final da década de 70 até a criação, em 1984, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST no objetivo reivindicatório político original de democratização do acesso à terra e a reforma agrária.

Experiências organizativas que chegam também através da Igreja Católica, sobretudo pela vertente da Teologia da Libertação, a organizações da sociedade civil e ao movimento indígena na década de 80, posteriormente no século XXI ao movimento quilombola, hoje protagonizando, ambos, a experiência de duas das maiores potentias transformadoras da sociedade brasileira, no sentido da filosofia da libertação de Enrique Dussel (DUSSEL, Enrique. 20 teses de política. Trad. Rodrigo Rodrigues. São Paulo: Expressão Popular, 2007), como a conquista no ano de 2023 da inscrição do Ministério dos Povos Indígenas na esplanada do ministérios do terceiro governo Lula parece evidenciar.

Eis os novos sujeitos de direito, que não são novos no processo histórico, mas apenas recentemente conquistaram a condição de sujeitos do direito e da política no Brasil. Com a novidade de sua presença nos seus meios de organização, mobilização, reivindicação e repertório de luta social, acabaram produzindo novidades inexistentes (mas não inimagináveis) no campo do direito. Os novos sujeitos, quando finalmente têm condições históricas de ocupar o locus da regulação política, vão produzir quase que necessariamente novos direitos, já que a “igualdade” positivada de forma abstrata acaba se constituindo como um apelo a um novo movimento social venha apresentar uma nova perspectiva de dignidade e reivindicar a sua concretização.

Esses sujeitos que agora chegam nesse campo com condições históricas de luta e disputa das relações de poder – agora também incorporando o movimento LGBTQUIA+ – encontram no século XXI um momento de acúmulo de forças do campesinato, organizações indígenas e movimento quilombola, podendo arriscar, então, para fins analíticos deste debate, uma terceira matriz conceitual de jaez decolonial na teoria dos direitos humanos, que no entanto não teremos condições de desenvolver neste espaço, esboçando apenas algumas linhas em brevíssima consideração.

Como visto, essa metodologia do ponto de vista da historicidade serve para colocar e organizar as ideias, conferir nitidez às experiências, e entender que as noções de direitos humanos estão na conformação do cotidiano, no intenso movimento da realidade. Se a matriz liberal advinha do Norte eurocentrado, carregada de contradições, observa-se que a matriz interseccional ainda é desenvolvida em sua gênese na experiência da classe trabalhadora no Norte, na experiência da classe trabalhadora da Europa e, posteriormente, também nos EUA, por meio do movimento de mulheres e movimento negro, porém na periferia dessas sociedades do Norte Global, se espraiando posteriormente para a América Latina, por exemplo.

Agora, finalmente, a matriz decolonial que vem se delineando e desenvolvendo, é advinda do Sul Global, em que pese ela seja compartilhada em termos conceituais por autoras e autores do Norte, que por seu turno se encontraram com intelectuais do Sul que para ali migraram ou se exilaram para realizar seus estudos ou fugir de regimes autoritários. Eis então uma matriz que está fundada na experiência do sujeito latino-americano, do sujeito africano, do sujeito asiático. De homens e mulheres do Sul Global que estão a construir o seu cotidiano de liberdade e dignidade, em mais um capítulo – metodologicamente diríamos uma matriz – dos direitos humanos na atualidade.

Uma matriz que em boa medida, a partir das sugestões analíticas trazidas neste texto, é aqui deixada para que as leitoras e leitores se desafiem na tarefa histórica de experimentar, e teorizar.

Infelizmente não pude retornar a UFU, em mais uma interlocução valiosa, para além daquelas de caráter político, quando discuti com servidores questões de gestão acadêmica e de pessoal, a partir de minha experiência como ex-Reitor da UnB; em trocas culturais, participando de mesa no bem instalado estúdio radiofônico, sendo a rádio universitária da UFU, uma das mais bem estruturadas do sistema de rádios universitárias; e em mesas de fundamento epistemológico no campo das teorias políticas e do direito. Ainda bem que a participação de meu colega Antonio Sergio Escrivão Filho assegurou a continuidade de uma troca de entendimentos e ajuste de posicionamentos.

Nesse último aspecto, aliás, até para continuar a tecer o fio de continuidade dessas trocas, guardo um registro impresso, a partir de dois repositórios muito bem editados pelo professor Roberto Bueno (que andou algum tempo na Faculdade de Direito da UnB em programa de visita). Menciono, a propósito, meu artigo Estado Democrático da Direita, publicado em DEMOCRACIA: DA CRISE À RUPTURA. Jogos de Armar: Reflexões para a Ação.  Roberto Bueno (Organizador). São Paulo: Editora Max Limonad, 2017, 1131 p. (https://estadodedireito.com.br/democracia-da-crise-a-ruptura/) e também um capítulo – 16 – com o título Latinoamericanidade, lugares políticos, reencontro de humanidades, no livro Democracia, Autoritarismo e Resistência: América Latina e Caribe. Roberto Bueno (Organizador). São Paulo: Editora Max Limonad, 2021 (https://estadodedireito.com.br/democracia-autoritarismo-e-resistencia-america-latina-e-caribe/).

Fico muito satisfeito ao me dar conta das pegadas deixadas nesse percurso de forte interlocução, reativadas ao ensejo dessa XXVII Jornada Jurídica. E o faço a partir do reconhecimento que a sua Organização demonstra em buscar ter presente nos debates, a perspectiva estabelecida por O Direito Achado na Rua, sua concepção e prática.

            Certamente, a participação de Antonio Sérgio Escrivão Filho na abertura da Jornada e a inclusão de nosso texto (MATRIZES HISTÓRICAS DOS DIREITOS HUMANOS E A TRADUÇÃO JURÍDICA DAS LUTAS SOCIAS, Antonio Escrivão Filho, José Geraldo de Sousa Júnior,  Rodrigo Camargo Barbosa), no livro, bastaria para selar os compromissos político-epistemológicos dessa interlocução.

Entretanto, mais que isso, e no atual, vale por em relevo a compreensão do alcance dessa cooperação acadêmica, ao identificar, no texto condutor de todo o debate, porque preparado por uma das organizadoras do evento, autora do prefácio da obra – Direito – um Caminho e um obstáculo para a transformação social, de Debora Regina Pastana, em definir qual o Direito que é adotado como o sul de nossas intenções e compromissos: o direito que humaniza e emancipa, o Direito que “quem me ensinou isso foi um grande jurista brasileiro chamado Roberto Lyra Filho”.

Ela expõe:

Lá nos idos de 1982, ele publicou um livrinho pequenino e afetuoso intitulado “O que é Direito”. Esse livrinho fazia parte da coleção primeiros passos, publicada pela já extinta editora brasiliense. Roberto Lyra Filho foi um jurista marxista, um dos fundadores da Nova Escola Jurídica Brasileira (NAIR), da Faculdade de Direito da UnB, cujo boletim era a Revista Direito & Avesso. 

Roberto Lyra dizia à época que o Direito não se reduzia à norma, nem a norma à sanção. Ao contrário, ele dizia, citando Gramsci, que a visão dialética precisava alargar o foco do Direito, abrangendo as pressões coletivas que emergiam na sociedade civil e adotavam posições de vanguarda, “como determinados sindicatos, partidos, setores de igrejas, associações profissionais e culturais e outros veículos de engajamento progressista” (FILHO, 1985, p. 04). Ainda em suas palavras o Direito não poderia “ser isolado em campos de concentração legislativa”, pois indicaria “os princípios e normas libertadores”, considerando a lei “um simples acidente no processo jurídico”, que poderia, ou não, “transportar as melhores conquistas” (FILHO, 1985, p. 04).

Seu pensamento teve grande influência no movimento jurídico intitulado “Direito Achado na Rua”, um movimento teórico/prático de extrema relevância para o Direito brasileiro e que possui mais de três décadas de existência. Aqui mesmo na Jornada foi falado sobre esse movimento. O professor Antônio Escrivão, veio justamente explanar sobre o “O Direito Achado na Rua e a tradução jurídica das lutas sociais”. Eu não sabia, mas descobri durante o evento, que, em tempos distintos, cursamos a mesma faculdade e tivemos o mesmo encantamento pelo professor Luis Alberto Machado, responsável pelo Núcleo de Direito Alternativo (NEDA) da Unesp de Franca. Talvez por isso tenhamos escolhido caminhos jurídicos e acadêmicos parecidos. 

Segundo Escrivão, “o Direito não é; ele se faz, em um processo histórico de luta e libertação” para então se afirmar enquanto Direito que “nasce da rua, no clamor dos espoliados (VIEIRA, FILHO, 2022, p. 70). “Sua filtragem pode ser percebida nas normas costumeiras e mesmo nas legais que assumem diferentes significados de mediação das relações sociais”, podendo ora ser um Direito autêntico, ora um produto falsificado.  Citando Lyra Filho, Antonio Escrivão e Renata Vieira (2022, p. 71) também dizem que “ao exprimir o Direito, as normas só podem servi-lo, na medida em que se tornem canais, e não diques”. Nesse sentido são também as palavras de Roberto Lyra Filho, para quem “uma norma será tanto mais legítima, quanto mais elástica e porosa se torne, para absorver os avanços libertadores, que surgem da dialética social e provocam transformação da ordem instituída” (LYRA, 1986, p.310).

Por um tempo esse movimento teve grande expressão e rivalizou com o Direito Positivo e a dogmática jurídica que aprisionavam o jurista à letra da lei positivada. Em maior destaque no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e em Brasília; mas praticamente em todo o Brasil, foi possível perceber essa efervescência transformadora tão bonita no interior do campo jurídico. Entre as décadas de oitenta do século XX e a primeira década do século XXI, esse movimento produziu verdadeiras revoluções jurídicas que promoveram ondas de justiça social pelo país. Euzamara Carvalho (2022) enaltece toda potência desse movimento que de certa forma também redefiniu a própria normatividade internacional. 

Nesse sentido destaca-se a legitimidade da luta social a luz dos princípios constitucionais e institucionais de direitos humanos, conforme Resolução 53/144 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 9 de dezembro de 1998. Esta resolução ratifica a Declaração sobre o   Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os

Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos (Defensores de Direitos Humanos). Em seu Artigo 1.º, expressa: “Todas as pessoas têm o direito, individualmente e em associação com outras, de promover e lutar pela proteção e realização dos direitos humanos e das liberdades fundamentais a nível nacional e internacional” (CARVALHO, 2022, p. 134/135) (sic).  

Assim, o Direito deixou de ser pura norma, para ser ação constante daqueles (as) subjugados (as) no processo histórico da vida social. De forma ambivalente, a própria norma internacional passa a reconhecer essa realidade. Como bem destaca Joaquín Flores (2009, p. 71):

Não podemos entender os direitos sem vê-los como parte da luta de grupos sociais empenhados em promover a emancipação humana, apesar das correntes que amarram a humanidade na maior parte de nosso planeta. Os direitos humanos não são conquistados apenas por meio das normas jurídicas que propiciam seu reconhecimento, mas também, e de modo muito especial, por meio das práticas sociais de ONGs, de Associações, de Movimentos Sociais, de Sindicatos, de Partidos Políticos, de Iniciativas 

Cidadãs e de reivindicações de grupos, minoritários (indígenas) ou não  (mulheres), que de um modo ou de outro restaram tradicionalmente marginalizados do processo de positivação e de reconhecimento institucional de suas expectativas. (sic).

Nesse contexto, durante mais de trinta anos assistimos o Direito se fortalecer justamente por meio de sua vertente considerada “o avesso”, aliada ao universo oprimido e compromissada com o fortalecimento da cidadania participativa. 

 

Sinto-me assim ainda mais organicamente engajado nos compromissos de conduzir nossas ações teóricas e práticas de O Direito Achado na Rua, ao impulso desse objetivo de contribuir para o campo teórico crítico do direito e dos direitos humanos (https://estadodedireito.com.br/a-teoria-e-praxis-do-coletivo-o-direito-achado-na-rua/;  https://estadodedireito.com.br/30425-2/: v.6 n. 2 (2022): Revista Direito. UnB |Maio – Agosto, 2022, V. 06, N. 2 Publicado: 2022-08-31. O Direito Achado na Rua. Contribuições para a Teoria Crítica do Direito. Edição completa PDF (https://periodicos.unb.br/index.php/revistadedireitounb/issue/view/2503).

Conforme Debora Pastana: “Esse ‘Direito Achado na Rua’ se realizaria, portanto, de forma dialética, por meio da inter-relação entre teoria e práxis. Imediatamente percebi que era esse o meu Direito; aquele capaz de nos levar à transformação social que emancipa e empodera. Logo percebi também que à minha volta havia um coletivo jurídico pronto para me inserir nesse Direito transformador”. E comigo, ela conclui: “O ‘Direito Achado na Rua’, enquanto movimento político, buscava capacitar assessorias jurídicas de movimentos sociais; buscava também “ser a expressão de criação do Direito a partir da atuação jurídica dos novos sujeitos coletivos e das experiências por eles desenvolvidas” (SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de. Ideias para a Cidadania e para a Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008.). Era assim um projeto político de transformação social como dizia Roberto Lyra Filho”. 

Era e continua sendo. Sinto-me ainda mais organicamente engajado nos compromissos de conduzir nossas ações teóricas e práticas de O Direito Achado na Rua, ao impulso desse objetivo de contribuir para o campo teórico crítico do direito e dos direitos humanos (https://estadodedireito.com.br/a-teoria-e-praxis-do-coletivo-o-direito-achado-na-rua/;  https://estadodedireito.com.br/30425-2/: v.6 n. 2 (2022): Revista Direito. UnB |Maio – Agosto, 2022, V. 06, N. 2 Publicado: 2022-08-31. O Direito Achado na Rua. Contribuições para a Teoria Crítica do Direito. Edição completa PDF (https://periodicos.unb.br/index.php/revistadedireitounb/issue/view/2503).

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.